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Ella Fitzgerald

Opinião – Ovo de Colombo

O que há de tão refrescante nesta voz?

E, ao dizer “voz”, não me refiro só ao seu timbre e à sua colocação, mas à imensa qualidade artística e à personalidade única que produzem os sons que pertencem a esta voz. É que uma coisa é a qualidade tímbrica de uma voz; outra, a meu ver, bem mais preciosa, é a qualidade artística de quem possui essa voz. A primeira é uma questão de sorte, resulta de fatores fisiológicos relativamente aos quais nenhum de nós tem escolha. A segunda, essa sim, exige carácter, intelecto, competências técnicas e criatividade e é a que tem o poder de penetrar profundamente mentes e corações, e de criar para os outros experiências de grande comoção.

Ella foi verdadeiramente uma grande artista, dotada de uma bela voz de características singulares, mas foi o que conseguiu fazer com esse seu “instrumento” que é tão importante e valioso. Foi a sua versatilidade interpretativa, a sua atenção a cada palavra, frase e a cada personagem, combinadas com uma grande expressividade e um sólido conhecimento de música. Quem não fica fascinado ao ouvir as suas improvisações? Ao perceber tamanha agilidade, espontaneidade e energia, e tanta felicidade na voz, e tanta libertação? Quem fica indiferente perante uma expressão tão verdadeira da música e do texto?

Penso no quão importante terá sido para ela a alegria da música e do canto, numa história de vida que foi conturbada e repleta de azar, de más relações e de conflitos (a sua família era muito problemática e é conhecida a sua ligação à máfia), e tendo em conta a sua grande timidez. Talvez seja isso que sentimos na sua voz: no meio da confusão, Ella atingiu a libertação através da música e, como tal, dependia disso para ser feliz. E a partilha da sua música connosco propaga entre nós essa alegria que lhe era tão vital.

Todos temos algo a aprender com Ella. E, como é típico desta época natalícia, ouvirmos por todo o lado alguns clássicos interpretados por cantores do jazz, espero que a encontremos por aí e que ela, uma vez mais, nos contagie com a alegria na sua voz.

Joana C. Pereira

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