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«É tempo de lutar pela dignificação e reposição da credibilidade da Misericórdia»

Cara a Cara – Anabela Pinto

P – A Santa Casa da Misericórdia de Belmonte enfrentou um impasse diretivo nos últimos meses, com diversos entraves a serem colocados à lista candidata. Agora que tudo se resolveu, como olha para o processo eleitoral?

R – Foi um processo que se previa pacífico, mas que acabou por ser algo conturbado. Leituras díspares e enviesadas de alguns artigos do Compromisso da Irmandade da Misericórdia levaram a que, num primeiro momento, a lista que lidero se tivesse retirado. Posteriormente, após a marcação de novo ato eleitoral, a Assembleia-Geral, havendo apenas uma única lista concorrente, exigiu que a Irmandade votasse através de um boletim de voto criado para o efeito onde constavam como possibilidade de votação “sim” e “não”. Face à persistente violação estatutária, recorremos para o Tribunal Eclesiástico da Guarda que repôs a legalidade determinando a nulidade dos votos “não” e a eleição da única lista apresentada a sufrágio, com 27 votos a favor. Sinto-me duplamente surpreendida pelo facto da Irmandade da Misericórdia de Belmonte, decorrido um período de aproximadamente 120 dias para que se pudesse constituir em listas, o não ter feito e que, por outro lado, tendo faltado a coragem para assumir os destinos da instituição, se tenha constituído como obstáculo àqueles que se disponibilizaram para o fazer num momento financeiro muito difícil e juridicamente conturbado. Entendo que a forma como o processo eleitoral foi conduzido não é mais do que o espelho da falência moral de quem dirigiu a Assembleia-Geral, apoiado em quem ao longo de anos dirigiu a Mesa Administrativa e que pretendeu com o dilatar do tempo evitar o inevitável.

P – Considera que se fez justiça?

R – Fez-se justiça, mas também se gastou tempo e energias que tão necessárias se revelam para a árdua tarefa que temos pela frente. Quem perdeu foi a instituição, porque o tempo não é de defesas umbílicas, mas de luta pela dignificação e reposição da imagem e da credibilidade institucional da Santa Casa da Misericórdia de Belmonte, que ao longo da sua existência nunca tiveram momento tão baixo.

P – Considera que a decisão do Tribunal Eclesiástico da Guarda é uma aprovação importante e um sinal de confiança para o projeto que representa?

R – Aos tribunais compete fazer justiça, repondo a verdade e a razão a quem a reclama. Por isso, considero esta aprovação importante porque ela materializa a possibilidade de concretizar um projeto através de uma equipa que, sendo heterogénea nas convicções, encontrou na matriz social que defende a homogeneidade de um projeto imbuído dos valores da solidariedade social, matricialmente aplicáveis à maior IPSS do concelho de Belmonte. Enalteço por isso os valores inquestionáveis desta equipa que, resistindo a todas as adversidades, soube com coragem, determinação, postura, verticalidade e equidade, encontrar na sobriedade da avaliação a procura justa da verdade pela razão.

P – Como avalia o estado da instituição a nível financeiro?

R – Tal como referi, a Misericórdia de Belmonte atravessa um dos momentos mais difíceis da sua história, designadamente na área financeira. Torna-se, por isso, necessário traçar objetivos claros, que passam prioritariamente pelo reequilíbrio financeiro e pela reestruturação organizacional da instituição, de forma a garantir num futuro próximo a sustentabilidade necessária à concretização de maiores e melhores graus de eficácia e rentabilidade. Saliento que será necessário algum tempo para consolidar a estratégia financeira que iremos implementar de imediato, rompendo desta forma com a insegurança que emergia das decisões que caracterizavam a anterior administração. Apelo ainda aos credores da instituição para que, num espírito de diálogo e cooperação, se disponibilizem a concertar planos de pagamento que garantam a restituição dos montantes em dívida, mas que, simultaneamente, não sufoquem o normal funcionamento da instituição.

P – Quais as principais medidas que vai tomar?

R – Acima de tudo, queremos nortear o nosso trabalho pela total transparência, responsabilidade e compromisso. A administração da SCMB será um todo que não corresponderá à soma aritmética das partes, mas sim a um corpo onde cada órgão será imprescindível ao bom funcionamento da instituição. Temos a intenção de abrir a Misericórdia à comunidade e iniciar diálogos e parcerias institucionais com outras entidades públicas e privadas que contribuam de forma expressa para o bem-estar e qualidade de vida de todos quantos dela necessitem e, de uma forma específica, para aqueles que hoje constituem o seu corpo de utentes.

P – Disse ter a intenção de retomar o processo de construção de um hospital de retaguarda em Belmonte e de tentar o acesso à linha de crédito criada pelo Estado para apoio a instituições sociais. Qual a importância destas medidas para a instituição?

R – Por uma questão de prioridades, torna-se imprescindível estabilizar numa primeira fase as relações de confiança com os credores, pelo que iremos tentar aceder ao Programa de Recuperação Financeira disponibilizado pela administração central através da linha de crédito de apoio a instituições sociais, destinada ao pagamento de dívidas a fornecedores. No entanto, e como medida financeira imprescindível à gestão corrente da instituição, iremos adicionalmente solicitar à Delegação Regional da Segurança Social o acesso ao Fundo de Apoio Social. Quanto ao Hospital de retaguarda, ou Unidade de Cuidados Continuados, estamos conscientes da mais-valia que representa para os munícipes de Belmonte e posso adiantar que iremos retomar este processo, em parceria institucional com o município e com o Centro Hospitalar da Cova da Beira.

P – Há algum fator que identifique como potencial comprometedor dessas e outras medidas?

R – A equipa que lidero elaborou um programa criteriosamente construído tendo por base as dificuldades financeiras e organizacionais que sabia vir encontrar. Estes dois pilares serão a base estrutural de um edifício que se pretende construir através de diálogos institucionais, dos quais resultem parcerias que minimizem os custos e, simultaneamente, restituam eficácia operacional à instituição. As medidas de caráter organizacional estão a ser implementadas tendo por base a funcionalidade do sistema, através de uma responsabilização hierárquica das chefias técnicas em cada sector, com as quais existe um diálogo institucional permanente. No que diz respeito às medidas de caráter financeiro, estas desenvolver-se-ão a nível interno e externo, tendo por base os binómios custo/qualidade e qualidade/competência, privilegiando o rigor e a exigência, mas nunca descurando os valores solidários e humanos para com os utentes e funcionários. Todas as medidas dependem sobretudo da compreensão e colaboração dos principais credores da instituição, a quem peço confiança e a quem garanto que podem contar com o nosso trabalho e dedicação.

P – A Polícia Judiciária esteve recentemente na SCMB a consultar e a procurar documentos. A que se ficou a dever esta visita dos inspetores? Há algum desenvolvimento nessa investigação?

R – A esse respeito, nada poderei avançar por se tratar de uma matéria que está em segredo de justiça. Confirmo apenas a presença da PJ na instituição para uma visita que decorre de um ato inspetivo da Segurança Social efectuado no final do ano passado e do qual resultou um relatório enviado ao Ministério Público. Compete à atual administração da Misericórdia de Belmonte permitir que os órgãos de polícia criminal efetuem o seu trabalho de investigação para que o resultado final possa ajudar a clarificar situações do passado e se evitem especulações ou julgamentos em praça pública. Esta administração nada tem a ver com o que possa ter corrido menos bem no passado e, estando em causa a imagem da instituição, faz votos para que a investigação seja célere e esclareça o que houver a esclarecer.

Anabela Pinto

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