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É obra, Covilhã!

A Câmara da Covilhã atingiu no ano transacto o admirável passivo de 87.000.000 euros, números redondos, com o consentimento da Assembleia Municipal (NC). O mesmo é dizer que cada munícipe deve aproximadamente 1.750 euros, dívida que provavelmente ninguém prevê amortizar e poucos conseguirão justificar, a não ser por militância ou indigência, que é praticamente a mesma coisa.

Parte considerável da dívida pública, a dívida municipal é de imputação difusa, ou confusa, mas representa um encargo que se repercute directamente nos impostos que “todos” pagamos, além de hipotecar boa parte das opções futuras. – Isto de penhorar o tempo tem muito que se lhe diga… e impõe uma explicação.

Qual a verdadeira substância deste descalabro financeiro? Terão gasto tantos milhões no apoio ao tecido social e empresarial do concelho? Em inovação urbana? No auxílio às pessoas desfavorecidas? Incentivo à participação cidadã? Sustentabilidade ambiental, arquitectónica e urbanística? Democratização do acesso à habitação? Requalificação do espaço público não viário, em particular das zonas verdes? Promoção de alternativas ao transporte automóvel? Criação de equipamentos públicos de educação, cultura e saúde? Salvaguarda do património físico e imaterial? Incentivos à reabilitação do centro histórico caucionadas por especialistas? Formação do pessoal e estímulo às boas práticas na administração? Modernização dos serviços prestados aos cidadãos?

87 milhões, sem contabilizar o Polis, empresas municipais… e juros – que à taxa nominal de 5% somam 4,35 milhões ao ano –, e tudo na paz dos anjos! Para que serve a Assembleia Municipal e a oposição, se ninguém dá uma explicação cabal, tem pudor ou assume o logro? Aproveita este paradigma do “poder local” à República?

Como se não bastasse, recebemos há quinze dias o Boletim Municipal: 250 páginas de papel couché, impresso em quadricromia e com uma tiragem de 27.000 exemplares. Para álbum de fotografias não está mal, embora tamanha personalização da vida política pouco beneficie o concelho e tenha, neste quadro, escassa prioridade. Sem questionar a legitimidade destas e de similares afectações, cumpre-nos avaliar a sua moralidade num momento em que se prova o falhanço da execução das Grandes Opções do Plano, cumprido em apenas 27%, segundo consta.

87 milhões de euros são 17,4 milhões de contos, quantia suficiente para pagar os salários do pessoal da Câmara, com os respectivos encargos, durante 15 anos ou construir uma vila para 4.000 pessoas. Perante tal projecto de modernidade, ainda há quem censure a pouca confiança dos portugueses nas instituições, a descredibilização da vida pública, a demissão dos cidadãos da participação, entre outras sentenças fáceis para alijar responsabilidades. No momento em que os impostos recaírem sobre este passivo, talvez os munícipes despertem para os efeitos da cega “legitimação democrática” daqueles que gastam o suor alheio. Trinta e quatro anos após o 25 de Abril, a apregoada transparência e responsabilização dos decisores autárquicos parece não ter chegado aqui. Mas a despesa pública, essa está implacável e inequivocamente titularizada.

Só a pressão da opinião pública (imprensa incluída!) poderá contribuir para aumentar a transparência das decisões políticas, pois os “negócios” e os investimentos mirabolantes anunciados em época eleitoral (aeroportos, barragens, etc.) têm um ónus que se repercutirá impiedosamente no preço a pagar pelos serviços públicos, taxas e licenças municipais, na factura da água, da electricidade, no IMI, etc. Exigir explicações é não só um direito como um dever fundamental de cidadania, ou continuaremos todos a perder nesta submissão da geração que pagará à que delapida e se esquiva a prestar contas.

Por: Francisco Paiva

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