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E depois, as ruínas

O que não cresce morre. Por isso, o capitalismo vive da busca incessante de novos mercados. Em Portugal, tem vivido de expedientes. Das obras públicas não reprodutivas, antes de mais. Da privatização de empresas já consolidadas, muitas delas em regime de quase-monopólio. E viveu também de um consumo a crédito. Como as nossas empresas não acrescentam valor ao que produzem, dispensam trabalho qualificado e pagam salários baixos. O nosso principal problema não é nem o défice nem a dívida pública. É a dívida privada. Para ela contribuiu de forma determinante a compra de casa própria, resultado de uma atrofia no mercado de arrendamento, do absurdo financiamento público à compra de casa e dos juros baixos.

Com a crise do crédito e a pressão europeia para cortar na despesa pública a fonte secou sem que antes tivéssemos aproveitado para começar a crescer de outra forma. Como não apostámos na qualificação, agora temos poucas saídas para exportação. E mesmo que o tivéssemos feito, o contexto não podia ser pior: como todos os países europeus estão a seguir políticas recessivas, a estagnação do mercado internacional é inevitável. Ao que se junta a contradição de vivermos com uma moeda forte numa economia fraca.

Resta então, à nossa elite económica, rapar o fundo do tacho. Nada melhor para evitar qualquer risco do que a saúde e a educação, bens com uma procura relativamente rígida e isolada da competição internacional. É neste contexto que devemos ver o programa que o PSD prepara para a saúde e educação e que fica claro na sua proposta de revisão constitucional. A estratégia é simples: ao cobrar à classe média pelos seus serviços do Estado e aumentar os benefícios fiscais para o consumo privado destes serviços, liberta para as empresas a classe média com alguns recursos.

Esta solução tem três problemas. Se a classe média abandonar os serviços públicos eles saem mais caros por utente. É uma questão de economia de escala: metade dos alunos no ensino público não corresponderá a metade da despesa. Se a classe média abandona os serviços públicos eles perdem qualidade. Está estudado: com menor capital social, cultural e reivindicativo, as classes baixas, isoladas, não beneficiam da qualificação que a presença da classe média oferece aos serviços. E por fim, obrigada a pagar menos pelos serviços do Estado, quem paga mais impostos fará pressão para pagar menos. Além de mais deduções fiscais, vários economistas já propõem uma taxa fiscal plana, da qual, num país pobre, só pode resultar menor receita fiscal. Juntem-se as três coisas: menos qualidade, mais caro por utente, menos recursos públicos para alimentar os serviços. No fim, ficaremos com escolas e hospitais degradados para quem não tenha alternativas. A mina de ouro da saúde e da educação estará finalmente livre para as empresas.

O emagrecimento do Estado tem um sentido: engordar as empresas em crise de crescimento com os serviços públicos. E, com isso, sacrificar o bem comum. Próximo objectivo: a privatização da segurança social para transferir estes apetitosos recursos para os fundos de pensões. Ao contrário do velho capitalismo industrial, o capitalismo financeiro não vive da produção. Vive da conquista do que já existe. Quando eles acabarem de rapar o que até agora era de todos nós logo se verá para onde se vai. No caminho, deixará atrás de si um Estado social em ruínas.

Por: Daniel Oliveira

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