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E agora, Dr. Durão Barroso?

Theatrum Mundi

Com o país mais interessado em seguir e relatar, exaustivamente, as estratégias judiciais do processo Casa Pia e os futebóis habituais, parece não haver espaço, interesse ou disposição no rectângulo político e mediático para reflectir sobre a estratégia do governo português na passada guerra contra o Iraque. A cobertura do conflito pelas televisões nacionais correspondeu ao frenesim costumeiro da notícia acabada de fabricar e pode mesmo ser apontada como exemplo claro de ‘arma de agitação maciça’. Quando o frenesim acalmou, a cobertura informativa foi-se limitando à contagem factual do número de atentados e dos mortos provocados por esses actos. Apostando no tom bem colocado do pivô-de-jornal-das-oito com postura entre o sério-quase-dramático e o compungido, as televisões vão desfiando o seu rosário dos factos do pós-guerra sempre que há imagens de destruição para mostrar, alheias elas e os demais à necessária contabilidade de responsabilidades políticas a que é imperativo proceder.

O despropósito das respostas nacionais a acontecimentos recentes, que oscila entre a curiosidade mórbida e o desrespeito, contrasta claramente com a completa indiferença relativamente a uma opção política com implicações de primeira ordem nas relações da comunidade com o resto do mundo. Parece aliás ser convicção não declarada dos comentadores oficiais que, em momento de paralisia nacional, não se deve recordar a forma leviana com que o governo português se associou à declaração de guerra, ao arrepio de normas e consensos internacionais. O governo português assinou de cruz a declaração anglo-americana e, num delírio de protagonismo, acabou por patrocinar a cimeira dos Açores que deu o tiro de partida para o ataque ao Iraque.

Do alto do palanque das Lages, os quatro dirigentes—Bush, Blair, Aznar e Durão—foram perentórios no diagnóstico e solidários na ameaça. Afinal, o Iraque dispunha de armas de destruição maciça e capacidade para desencadear um ataque devastador em 45 minutos. Por causa destas alegações, e porque as armas proibidas nunca chegaram a aparecer, os governos americano e inglês estão em confronto aberto com os seus serviços de informações e os inquéritos vão suceder-se dos dois lados do Atlântico para apurar responsabilidades. O facto relevante aqui parece-me ser o de que quanto menos responsabilidade na produção das alegações, mais crítica tem que ser a posição dos governantes face aos seus eleitorados. Bush informou os americanos de que ia fazer a guerra, ora recorrendo ao argumento das armas ora apelando contra as forças do mal absoluto, mas sempre fazendo finca-pé na infalibilidade do presidente em questões de segurança nacional. A flexibilidade do argumento tem permitido que, em geral, os americanos não discutam a necessidade de fazer a guerra. Já no Reino Unido, e apesar do relatório Hutton, o reconhecimento por parte dos especialistas de que as alegações foram exageradas está a colocar Tony Blair em maus lençóis.

E agora, Dr. Durão Barroso, em que fica a política externa portuguesa? Completamente dependente das alegações e informações alheias, todas postas em causa no momento, o governo português nem sequer tem a opção de recorrer ao inquérito para tentar sacudir responsabilidades. A verdade é que prescindiu de política em nome do alinhamento incondicional com os aliados tradicionais, mas isso não o exime de responsabilidades e do dever de informar a cidadania acerca de como foram tomadas as decisões relativas à guerra.

Por: Marcos Farias Ferreira

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