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E agora, chanceler?

De autoritária com bigodinho hitleriano a baluarte das democracias europeias de tipo liberal. Foi veloz o percurso recente percorrido pela chanceler alemã, Angela Merkel, no caminho mediático das pedras que invariavelmente acaba por ser trilhado pelos principais líderes políticos. Normalmente, mais cedo do que tarde. A menos de um ano das legislativas germânicas, a vitória de Merkel deixou de ser o dado adquirido que poucos, fora da Alemanha, pareciam querer. E passou a ser o objetivo político que agora, da esquerda mais extrema aos conservadores mais ortodoxos, muitos temem não ver cumprido.

O atentado terrorista na capital alemã é, precisamente, o tipo de evento que mais analistas vinham apontando como o acontecimento mais importante de 2016 que ainda não acontecera. Só que agora aconteceu mesmo e tudo o que foi sendo escrito perdeu validade. Ainda no último texto que aqui assinei, notava que as eleições alemãs teriam um perfil diferente – «outros contornos» – face às francesas ou holandesas, todas em 2017. Porque se o crescimento previsto da extrema-direita, nacionalista e eurocética, é comum aos três países, as possibilidades de vitória deste tipo de forças políticas não abrangiam a Alemanha. Afinal, muito pode ainda mudar.

Há ano e meio, Merkel proclamou que «vamos conseguir» responder ao desafio apresentado pela crise dos refugiados que, em grande parte, têm como objetivo entrar em território comunitário para chegar à Alemanha. A mesma Merkel, simultaneamente criticada pela intransigência e humilhação imposta à Grécia, foi também louvada pela coragem e humanismo que poucos tinham até então mostrado. Contudo, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), criado por académicos para combater a presença alemã no euro e os resgates concedidos aos periféricos da Zona Euro, identificou o filão dos novos tempos e adotou uma retórica essencialmente nacionalista e anti-imigração.

E foi já sob a liderança da jovem sorridente Frauke Petry que o AfD conquistou presença na maior parte dos parlamentos regionais e vem subindo consistentemente nas sondagens. Não admira, portanto, que logo depois de confirmado o carácter terrorista do incidente em Berlim, Petry tenha vindo sustentar que a Alemanha está «dividida sobre a questão da imigração» e que deixou de ser um país seguro. Para já, a chanceler não desarma. «Iremos encontrar a força para continuar a viver a vida que queremos viver: em liberdade, abertura e em conjunto. Não queremos viver com medo do mal», afiança.

Porém, apesar do finca-pé, Merkel dificilmente deixará de se ver obrigada a restringir a sua política de abertura face aos refugiados. A isso mesmo já foi obrigada no Verão passado e deverá sê-lo ainda mais, à medida que as eleições se aproximam. O partido-irmão da CDU de Merkel, a CSU da Baviera, juntou-se à extrema-direita, exigindo o «repensar da nossa imigração e política securitária». Logo depois da vitória de Trump, o presidente dos EUA, Barack Obama, esteve em Berlim para lembrar que a democracia não deve nunca ser tida como garantida. Esperemos que a chanceler não ignore o aviso porque o extremismo está à espreita.

Por: David Santiago

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