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E a paixão de Rosário Mateus?

Bilhete Postal

Insana pela casa percorrendo os mesmos lugares de sempre, agora irreconhecíveis. Tudo é novo em cada instante. Rosário Mateus ensandeceu e agora seus pensamentos resumem-se à procura do amor perdido em Março de 1945, quando ele não voltou da guerra. Acreditava então que tinha morrido, mas muitos traziam a notícia de que ficara em Espanha com Lola Flores. Todos os dias Rosário vai e vem pelo corredor cambaleante, chocando aqui e ali com os poucos objectos que ainda lá estão. As filhas colocam símbolos enormes sobre as sentinas e os quartos. Sala da TV azul, amarelo para o banho, vermelho na cozinha, e repetidamente ela se alivia no vermelho e procura a TV no amarelo. Depois os filhos trocam as cores e tentam ver se acerta agora. Mas nada. Rosário não vê. Rosário pára a indagar cada papel, vira-o, dobra-o e arruma-o nos bolsos carregados de todo o tipo de papéis das mais variadas funções. Rosário fixou-se na carta que não chegou e move-se à procura do amor que não veio em 1945. Já não recorda o pai das filhas com que casou em 1953 e menos as filhas a quem chama criadas e meninas. De Rosário Mateus se diz que não tem cura, que é o envelhecimento cortical, a senilidade. Mal fala, mal se move, procura fugir de casa para ir à estação de onde virá ele – o fugitivo de 1945. As filhas esforçam-se, fazem o que podem e revezam-se, mas o amor vai-se diluindo nas preocupações, vai ofuscando o respeito e ontem uma perguntava-me se a podíamos adormecer. Não sei até que profundidade falava, mas fiquei pensativo a imaginar como podia partir Rosário num sonho eterno até 1945.

Por: Diogo Cabrita

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