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Dúvidas

Tenho dúvidas. Apoio ou repúdio a iniciativa “Dia europeu sem carros”? O embaraço surge no momento de retirar conclusões da experiência levada a cabo. Por um lado a ideia parece corresponder, ao menos na génese, às necessidades e aos “ideais” de vida mais saudável e mais activa. Por outro tem-se a sensação do lirismo da iniciativa. Sei que em casos destes a abstenção não é possível. Ou se é contra ou a favor.

Este ano a Guarda foi noticia por ter aderido ao dia europeu sem carros. Pelas imagens televisivas ficámos a saber que o dia na cidade foi para os burros (ainda bem, porque tal significa que nos outros dias não os há). Desde a mais insonsa à mais atrevida das reportagens, o burro lá foi aparecendo como o denominador máximo comum das mesmas. De castiço a enternecedor sempre foi gratificante ver as crianças reviverem os tempos de outrora – se calhar muitas nunca tinham experimentado.

Entretanto no resto do País, Lisboa aderiu simbolicamente fechando duas ou três ruas, que “per si” já não teriam muito trânsito que escoar. No Porto e sem pré-aviso, decidiu-se inesperada e intempestivamente interromper o programa e abrir a cidade à circulação automóvel a meio do tempo previsto. Do resto, retenho Évora, que aproveitando a não circulação no centro histórico conseguiu reanimar o centro com actividades desportivas e culturais. E pouco mais.

Depois, temos ainda de considerar os muitos artigos de opinião publicados nos jornais. Neste campo convém referir o artigo, demolidor como é seu timbre habitual, de José Manuel Fernandes, no “Público”, de 22/09. Escrevia ele no artigo “Para Brincadeira, Já Chega”: “ ….O que muitos começam a perceber é que o simbolismo do dia perde todo o sentido – tornando-se apenas num incómodo ….”. Muitos foram os jornalistas, entre os quais os comentaristas da televisão a afinar por tal diapasão. De uma forma geral a tendência foi o tom pejorativo, prenunciando-se o esgotamento da iniciativa e a sua futura morte.

A juntar à desgraça, os comentários da gente do povo. “Que não dava jeito.”; “Que era um dia de trabalho perdido.”; “ Que havia que levar os miúdos à escola.”; Que havia que ir buscar os miúdos à escola.”; etc, etc, etc.

Perante um tal cenário, admito que os alicerces abanem. Mas outra dúvida se instala de imediato. Se um só dia sem carros dá assim tantos problemas às pessoas como alcançar então o desiderato de um dia nos vermos em definitivo livres deles (nos centros das cidades, claro)? Abandonar a ideia parece o caminho mais fácil. É certo que a iniciativa dá incómodos e dissabores, mas não será um pouco como o que se passa com as greves? O impacto é tanto maior quanto os prejuízos causados. Vendo a questão sob este prisma, o Dia sem carros atingiu em cheio os objectivos – incomodou.

Por: Fernando Badana

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