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Doutor, divago

observatório de ornitorrincos

Tenho amigos – sequência particular de verbo e substantivo que só por si constitui uma afirmação surpreendente para muito colectivista – que me exortam significativamente para usar a tinta destinada ao Observatório a debitar análises ao andar do mundo, embora eu preferisse dedicar mais da minha atenção ao caminhar das top-models nas passerelles desta vida ou em direcção ao meu quarto na outra – o Cristianismo promete para depois da morte uma vida sem distinções entre ricos e pobres, espertos e parvos e, espero bem, entre “gajos podres de bons” e o resto da populaça, à qual pertenço, e sem estabelecer uma tipologia mais segmentada, para não prejudicar uma auto-estima já de si abalada por comparações espúrias com dotações genéticas de actores de filmes de qualidade duvidosa.

Regresso ao que me traz esta semana. Recebi algumas sugestões de leitoras para não insistir em artigos sobre futebol e outros desportos, tema que interessa apenas a duas categorias de público: a) tontos; b) homens. (Neste momento, as mulheres estão a dizer “espera lá, mas isso é só uma categoria!”. Apesar da pertinência, isto não é necessariamente verdade. Nem todos os tontos são homens. Exemplo? Michael Jackson.) Sou avisado para evitar também as incursões pelos terrenos da sexualidade, para não me tornar num cronista que fala de assuntos que apenas conhece pela internet. A política nacional é assunto que me interessa, principalmente em tempos de eleições presidenciais. As semanas que precedem a votação para escolher o Presidente da República são sempre aquelas que me fortalecem a convicção monárquica, adormecida durante cinco anos de modorra presidencial. No entanto, as opiniões políticas (que sistema de segurança social preferimos, que modelo de organização do Estado preferimos, que roupa se deve usar num encontro a sós com Joana Amaral Dias, etc.) são aquelas que suscitam reacções mais impetuosas dos leitores. Na verdade, não tenho vontade de subir a adrenalina ideológica agora que entramos no mês natalício, um tempo de celebração com a família, de concórdia com os vizinhos, de distribuir por todos os colegas do escritório as fotografias tiradas com o telemóvel à gorda das vendas em biquini na praia.

Nos últimos meses a educação tem estado em quase todas as primeiras páginas de jornais, o que talvez explique por que desapareceu das escolas e das salas de aula. O Ministério anda preocupado com a laicismo nas escolas e como tal tem vindo a remover os crucifixos das paredes das escolas. Os professores foram também avisados para não reagirem perante ameaças de agressão feitas por alunos de confissões religiosas minoritárias com expressões como “Valha-me Nossa Senhora!” ou “Pára com isso que vais para o Inferno!” para não atingir a vivência religiosa específica das criaturas.

Na política internacional, o assunto da semana foram as aterragens e descolagens de aviões da CIA, que o Bloco de Esquerda alega transportarem suspeitos de terrorismo. O partido marxista-trotskista-leninista-maoísta exige ao governo que permita à Al-Qaeda fazer escala no aeroporto de Figo Maduro e vai requerer à Comissão Europeia que o futuro aeroporto internacional da Ota tenha instalações próprias e adequadas para terroristas, num gesto político de não discriminação.

Gostaria de terminar como nos telejornais sérios, mas vou em vez disso fechar com desporto e moda como nos noticiários das televisões portuguesas. Este ano, a liga profissional norte-americana de basquetebol impôs um código de vestuário que impede os jogadores de vestirem roupas que envergonhem a organização do campeonato. Se, em Portugal, a Liga de Clubes tivesse uma posição tão inflexível como a da NBA, ninguém estaria autorizado a vestir equipamentos do Benfica.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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