António João Ferreira Moreira, jovem professor, poeta e escritor talentoso é dotado de uma sensibilidade invejável por muitos, embora seja discreto e amigo. Teve o mérito e ambição de (re)contar as histórias do seu povo, lidas e ouvidas contar, recordando-as com graça e algum sentido de humor fazendo, assim, com que predominasse para sempre a dor e o sofrimento do povo raiano. Mantém, assim, vivas as tradições das gentes de Nave de Haver fazendo-lhes uma viva homenagem e quem saberia fazê-lo melhor do que um conterrâneo e promissor escritor?! Esta sua obra é, portanto, repleta de emoção e acção, convidando o leitor a deliciar-se com tamanhas histórias. Na verdade, a sua leitura é bastante agradável e muito instrutiva.
Quais são as fontes de literatura? Os mitos, diz Vladimir Propp, ao estudar a estrutura dos contos russos, que compreende semelhantes aos contos do mundo inteiro. Mas os mitos estão um pouco fora do nosso horizonte, apesar de tudo, as sociedades tradicionais preservam os saberes, ritos e rituais dos antepassados. Estamos perante uma recolha dessas memórias colectivas que estão no coração de todas as culturas. A experiência do povo simples é a matéria de toda a cultura. E a verdade é esta: é a tradição popular que está na origem da cultura erudita, e a tradição popular não é nenhum desvio da cultura erudita – é a sua matriz. Por isso sempre que deparamos com uma recolha como esta, prestamos-lhe muita atenção. Este conjunto de contos é mais que uma recolha – refaz as antigas estórias na modernidade de uma escrita que recorre ao vernáculo para se fazer actual. Mas o segredo destes contos é o desfecho – a chave. E aí o João é um Mestre. Convida-nos a segui-lo; conta-nos uma estória e suspende-nos na eternidade do momento final, de dor, amor, angústia, sabedoria da matéria que cada conto conta. Uma febre!
Esta obra retrata, assim, os sonhos do povo raiano, os seus sacrifícios, as suas crenças e superstições em lobisomens. Recorda a angústia sentida pelos primeiros emigrantes da terra, em 1957, que foram clandestinamente e corajosamente para França em busca da terra prometida, revelando-se verdadeiros heróis! Fala-nos também no contrabando da amêndoa e do café que eram vendidos ilegalmente em terra espanhola, descrevendo as duras caminhadas de homens, mulheres e crianças sempre receosos de perder a vida, mas que lutavam para sobreviver. Quão grande sofrimento! Retrata, assim, a pobreza de um povo e o medo que nutriam pelos fiscais espanhóis sem piedade e a forma como crianças tão pequenas se desenvencilhavam para sobreviver. Esta obra é dedicada à sua gente, eternizando para sempre o seu sofrimento e a sua vida árdua. A edição é de autor.
Por: Mário Gomes e Manuela Perestrelo