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Do odre ao garrafão

Nos Cantos do Património

Vimos, em textos anteriores, como é complexo distinguir os lagares medievais dos lagares da época romana, especialmente os que estão isolados ou muito afastados de vestígios arqueológicos. Só muito recentemente os lagares escavados na rocha se tornaram meras curiosidades etnográficas com a utilização generalizada dos meios mecânicos para a produção de vinho. A inventariação destas construções em cada freguesia e em cada concelho é fundamental para o conhecimento do passado comum da Beira Interior, sobretudo no que diz respeito ao vinho e ao azeite, produções indispensáveis da economia beirã.

O vinho produzido nos lagares rústicos localizados no interior de vinhedos ou nas proximidades das vinhas podia ser transportado para as adegas em odres ou talhas. Segundo Carlos Fabião os contentores usados, na época romana, para o transporte e armazenagem do vinho eram muito diversificados mas não se distinguiam muito dos elementos usados há meia dúzia de anos nas aldeias do interior. Havia odres de pele de cabra, tonéis e talhas, recipientes adaptados a funções específicas.

Para pequenas e médias distâncias usavam-se os odres de peles de animais, elementos naturais substituídos pelos populares e omnipresentes garrafões de vidro. Actualmente, os odres apenas servem para engrandecer as colecções de museus etnográficos locais.

Também os tonéis tinham um papel importante no transporte e, sobretudo, no armazenamento do vinho. Fabricados com madeira nobre e reforçados com aduelas de ferro, poucos elementos arqueológicos destes recipientes romanos chegaram até aos nossos dias. Mesmo assim, elementos de antigos tonéis têm sido identificados em diversos sítios arqueológicos romanos. Por exemplo, na importante villa de Torre de Palma, em pleno Alentejo, foi escavada uma adega onde estavam armazenados inúmeros tonéis de grandes dimensões. Também no Alentejo, os curiosos monumentos funerários em forma de tonel – as famosas “cupae” – mostram a importância do vinho no quotidiano da populações – ricos e pobres – e na economia do Sul do país na época romana.

As grandes talhas de cerâmica eram mais polivalentes. Além do transporte, eram utilizadas para armazenamento do vinho e, até, para a fermentação do mosto. Este tipo de contentor é o mais comum nas estações arqueológicas. Muitas dessas talhas eram, também, utilizadas para armazenar azeite, cereais e água. Por isso, dada a sua polivalência, os restos destas grandes talhas de armazenamento estão presentes em quase todas as estações arqueológicas da Beira Interior e são um dos elementos mais abundantes em qualquer residência rural romana virada para a produção agrícola. Ainda há pouco tempo, este tipo de talhas de cerâmica era utilizado no Alentejo para a fermentação do mosto o que prova a sobrevivência de práticas ancestrais nos nossos meios rurais.

Para o transporte a longa distância utilizavam-se as ânforas, recipiente muito específico e só utilizado na época romana. Estes recipientes de cerâmica, com uma forma muito alongada, só se estabilizavam se fossem encaixados numa base de madeira. Os restos arqueológicos destes recipientes cerâmicos, utilizados para o transporte de vários líquidos, têm aparecido em diversos sítios romanos da Beira Interior não só nos sítios identificados como villa – habitação de grandes dimensões – mas também nas residências de dimensões mais reduzidas, usualmente denominados de casais ou quintas.

Por: Manuel Sabino Perestrelo *

* perestrelo10@mail.pt

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