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Discriminação negativa

Editorial

1. A Europa não aceita que possa haver cidadãos discriminados positivamente e, por isso, não permite que haja isenções no pagamento de portagens para as empresas e cidadãos do interior. Até parece justo… porém, os que residimos neste interior subdesenvolvido e beneficiamos da medida de descriminação positiva do pacote de 10 viagens gratuitas (!), levamos anos a sofrer as contingências e agruras de discriminação negativa. As autoestradas A23, A24 e A25 foram, juntamente com a rede de Politécnicos (que também necessitam de uma discriminação positiva que os salve), os únicos investimentos públicos estruturantes relevantes, desde a construção do caminho-de-ferro, no séc. XIX, visando o desenvolvimento do interior de Portugal. Com a introdução de portagens nas ex-SCUTs, e eliminando a descriminação positiva, passamos a pagar ao preço das regiões mais ricas e que sempre receberam investimentos relevantes (vide os 218 milhões investidos para levar o metro ao Aeroporto, obra necessária e que chega com atraso de anos, mas que é mais uma das muitas, com custos elevadíssimos para o erário público e que, como sempre, são feitas em Lisboa ou Porto – e de vez em quando em outras cidades do litoral: em Setúbal ou Viana, em Braga ou Aveiro, em Coimbra ou Guimarães… nunca no interior esquecido e ostracizado). Até a anunciada redução da TSU (que foi a única promessa do PSD antes de chegar ao governo para criar emprego) volta a ser referida como opção da governação um ano depois de ter sido anulada a lei da interioridade que previa, precisamente, a redução de carga fiscal e isenção por três anos às empresas do interior que criassem emprego. O governo vê o país como um todo, mas esquece-se que eliminou as medidas de descriminação positiva herdadas de anteriores governos, independentemente da cor, para lançar medidas que não distinguem as regiões ancestralmente desfavorecidas das que sempre recebem tudo. Assim, o interior será cada vez mais um lar de idosos, onde alguns teimam em ficar… e morrer.

2. A economia está moribunda e todos os apoios são canalizados para as fileiras exportadoras. Se o crescimento das exportações é necessário, as empresas que não exportam não têm apoios e são cada vez mais “apertadas” pela carga fiscal e pelos custos de produção (eletricidade, transporte, etc). Obviamente que é positivo o aumento das exportações e o florescimento dessas empresas, mas o negócio não exportador – a indústria, os serviços ou o comércio, cuja atividade é intrinsecamente regional e nacional, está em agonia. A reafectação de verbas do QREN para apoiar a economia é correta, mas destinar essas verbas apenas à exportação é um erro.

3. O relatório que esta semana a Comissão Europeia publicou sobre a avaliação à execução do Memorando de Entendimento tem vários motivos de reflexão, que vão muito para além da aprovação de mais uma tranche da “ajuda” da “troika” a Portugal. Mas o mais bizarro e preocupante é que para a “troika” os salários dos portugueses têm de continuar a ser “ajustados”. Segundo o relatório da quarta avaliação, é necessário um maior alinhamento entre os salários e a produtividade que conduza a uma melhoria da competitividade. Ou seja, para a “troika” tem de haver mais cortes nas indemnizações por despedimento e os salários dos portugueses terão de descer ainda mais – o empobrecimento está garantido.

Luis Baptista-Martins

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