Arquivo

Direitas e adquiridas

observatório de ornitorrincos

Nos últimos dias há dois temas que me têm fascinado: os direitos adquiridos e as mamas de Margarida Vila-Nova. Bem, em abono da verdade, o último caso não é bem um tema, é mais um parque de diversões temático. No entanto, há um aspecto comum (e no caso do segundo tema, o aspecto é bom) entre os direitos adquiridos e as mamas de Margarida Vila-Nova: é uma injustiça para quem não lhes tem acesso.

Pergunta agora o leitor mais impaciente: “Mas por que raio é que este colunista está sempre a falar de mamas? Não podia escrever sobre o problema da pesca no alto da Gardunha? Ou sobre a situação desumana dos electrões em cativeiro para experiências em aceleradores de partículas?” Sim, Mãe, és capaz de ter razão, mas o meu contrato exige que eu escreva a palavra “mamas” um número mínimo de vezes por mês. E não faria sentido escrever “mamas”, assim sem mais nem menos, muito menos descontextualizando a sua proveniência. Se eu dissesse “mamas” só por dizer, e não especificasse a dona dessas mamas, ou não explicasse o motivo porque refiro as tais mamas, aí sim, seria apenas uma tara aberrante com mamas. E isso sim, seria inaceitável. Enfim, mamas.

Queria alertar o leitor mais excitado que, apesar da breve referência às mamas de Vila-Nova (até podia muito bem ser uma pequena vila transmontana, Vila Nova de Mamas), o principal assunto da crónica de hoje são os direitos adquiridos. Os tais que têm algo em comum com as mamas sumariamente referidas.

Os direitos adquiridos a que me refiro não são apenas os direitos dos trabalhadores que os sindicatos adoram mais que manifestações na Avenida e que o governo detesta mais que os artigos de Eduardo Cintra Torres. Refiro-me principalmente aos direitos que as pessoas têm porque sim ou não têm porque não, sem nenhuma lógica relacional ou coerente. Por exemplo, um trabalhador honesto e cumpridor, se nascer na Ucrânia, tem de fazer um teste de português (ainda por cima daqueles saídos das cabecinhas do Ministério da Educação) para obter a nacionalidade portuguesa. Já um mandrião, se tiver o azar de ser parido dentro deste rectângulo, mesmo que não saiba conjugar um verbo ou distinguir “à hora” de “há horas”, tem direito a BI, carta de condução e rendimento mínimo. Se o governo fosse consequente, nacionalidade portuguesa só era atribuída a quem tivesse 10 no exame de 12º ano de Português B.

O Estado também se preocupa muito com o futuro das crianças adoptadas e nada com as paridas, o que me parece injusto para estas. Por exemplo, se eu for bêbedo, tarado, noctígavo ou do Comité Central do PCP (ou qualquer conjugação destas), nada me impediria de produzir a filharada que quisesse – só as fracas probabilidades de conseguir quem partilhasse leito. Já para adoptar um infante, a Segurança Social instalaria uma assistente social em minha casa durante uns dias e o meu hábito de consultar e-mails depois das 22 horas rapidamente me desqualificaria como possível pai. Mais uma vez, para ser coerente o governo deveria, à maneira sugerida por Platão, resgatar todos os recém-nascidos das maternidades e distribuí-los com parcimónia apenas por famílias que mostrassem recato e seriedade suficiente para serem elogiadas pelo 24 Horas.

Noutro âmbito, para o governo ser realmente coerente teria de proibir a possibilidade de fumar em salas de chuto com menos de 100 metros quadrados.

Termino explicando que concordo com a luta do governo contra os privilégios de alguns. Não acho nada justo que as mamas de Margarida Vila-Nova estejam apenas ao alcance de algumas mãos. Em uníssono, marchemos na Avenida a gritar: Todos temos direito a umas mamas direitas!

Por: Nuno Amaral Jerónimo

Sobre o autor

Leave a Reply