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Diários de Che Guevara

Corta!

Numa das últimas frases do filme, Guevara (em mais uma fabulosa interpretação de Gabriel Garcia Bernal) afirma algo como eu já não sou quem era. Talvez a ideia por trás de um filme como este fosse mesmo mudar ou despertar mentes. Um objectivo gorado, já que mais facilmente nos provoca uma sonora gargalhada, ou várias, em vez do mais adequado sorriso cúmplice e lágrimas de olhos recém abertos por uma qualquer nova luz ofuscante, que o filme talvez tivesse por objectivo ser.

Facilmente se conseguirá dividir Os Diários de Che Guevara em três fases distintas. Uma primeira mais cómica e ligeira, despreocupada mesmo, de dois jovens apenas em busca de emoções, num inicio de viagem que os levará por quase toda a América Latina, cavalgando mais de dez mil quilómetros numa moto, pouco adequadamente baptizada de Poderosa. Numa segunda fase, mais pesada, com a descoberta de tanta injustiça, de um pouco admirável mundo novo, deslumbramos o que de melhor este filme nos poderia ter oferecido. A terceira e última, é já uma fase de celebração de um mito, aceite hoje por todos, por (talvez) poucos conhecerem a realidade da história, que também aqui não é sequer aflorada. E que se continuem a vender muitas t-shirts, pois a história absolverá sempre alguns.

Filme de pátria incerta, feito com dinheiros e pessoas de vários países, da Europa, aos Estados Unidos, passando por vários países sul-americanos, está, ainda assim, repleto e infectado de várias técnicas hollywoodescas, que tantas vezes o fragilizam, açucarando um objecto que promete sempre mais sal que açúcar, mas que acaba por resvalar para um território pouco aconselhável a diabéticos.

Talvez o momento mais brilhante e revelador do pouco banal que o realizador Walter Selles de facto é, está presente nas fotos vivas utilizadas no final. Uma sucessão de imagens de pessoas fixas, estáticas e resistentes, mas ainda assim vivas e de olhos bem alerta. Melhor imagem do povo sul-americano?

Não fosse este filme baseado em alguém real, que viveu e sabemos muito bem quem foi e o que fez, e talvez se pudesse olhar para ele doutra forma. Com um olhar virgem e descomplexado, descortinando aqui um simpático objecto que assim se transforma irremediavelmente num panfleto dificilmente digestível. O melhor mesmo acaba por ser Gabriel Garcia Bernal, para quem os adjectivos já faltam para descrever um actor dono de um humanismo do olhar que hipnotiza qualquer espectador mais distraído, e aqui, a juntar a tudo isso, há ainda as assustadoras parecenças com o retratado.

Super Size Me

E 50 anos depois da atrás referida viagem pela América do Sul, um americano decide enfardar hambúrgueres durante trinta dias, ou para ser mais correcto e exacto, durante todo esse tempo teria que fazer três refeições diárias em restaurantes McDonalds e apenas se poderia alimentar daquilo que lá fosse comido.

Uma loucura típica de americano sedento por dar nas vistas, resultando num divertido objecto cinematográfico, sem dúvida, mas ainda assim pouco convincente Tudo aqui serve para reforçar a tese de partida.

Divertido, sim. Mas de informativo ou educativo, muito pouco este Super Size Me tem. O circo, depois de Moore, está de regresso aos ecrãs. Não é assim de espantar a cada vez maior visibilidade dos documentários nos cinemas, pois já não se respeita qualquer verdade e são capaz de estar na sala ao lado obras de ficção mais próximas da verdadeira realidade que aqueles que deveriam mostrar essa mesma realidade. Ainda assim, algumas interessantes pistas são lançadas. E, ainda assim, um filme a não perder.

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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