O mundo não está perigoso, está doido
Em apenas semana e meia demitiram-se dois ministros, libertaram um deputado da prisão preventiva, a justiça afinal funciona como deve ser, Schumacher foi campeão pela sexta vez, Bragança foi capa da Time com o título “O novo bairro da luz vermelha na Europa”, os estudantes universitários invadiram reuniões e fecharam edifícios, foi revelado um manual de Português do ensino secundário com o regulamento do Big Brother como texto de apoio, um homem entrou todo nu num campo de futebol e repetiu a graça no programa do Herman, o Prémio Nobel da Paz foi atribuído a uma mulher muçulmana, a selecção nacional de futebol sofreu três golos da Albânia, o juiz Rui Teixeira deu uma entrevista “exclusiva” à SIC para contar as suas aventuras todo-o-terreno, Yasser Arafat mandou o primeiro-ministro da Palestina apanhar cocos dois dias depois do o ter empossado, José Castelo Branco não deu nenhuma entrevista a qualquer canal de televisão, Margarida Rebelo Pinto ainda não chegou ao top de vendas do Mil Folhas, no barómetro da semana do Público havia um deputado do PS (Jorge Lacão) a descer, na primeira página do Expresso não se detectou nenhuma notícia falsa. Com tantos acontecimentos inesperados e surpreendentes, admira-me a calma com que os Presidentes Sampaio e Bush têm reagido a tudo isto. É nestas alturas que se exigem umas chamadas de atenção por parte dos chefes de Estado – e se possível ambas em inglês, para entendermos melhor as suas palavras. Já houve invasões de tropas estrangeiras ou da ONU por bem menos.
Como conservador, registo com satisfação os delírios de Ana Gomes e as queixinhas do Procurador-Geral da República na imprensa, nas rádios e nas televisões. É bom saber que há coisas que nunca mudam.
Cuidado: juntar letras forma palavras
As novas embalagens dos maços de tabaco, com avisos para os perigos de fumar, podem ser apenas o início de uma campanha sinistra e fascizóide nos mais variados sítios. Se o Governo não pára depressa com isto, não precisaremos de esperar muito para ver caixas de preservativos a dizer “Cuidado: isto pode romper e você fica com um menino nos braços” ou as revistas masculinas com um alerta na capa: “Atenção: se vir raparigas como estas na rua, não lhes faça nem diga nada. Elas podem achar inconveniente e espetar-lhe uma galheta no trombil.” Não é de menosprezar a hipótese de ver nos stands de automóveis letreiros acautelando os compradores “Se bater com uma coisas destas, pode lixar as perninhas e os bracinhos” ou ler nos talhos “Engolir sem mastigar, um gajo pode-se engasgar”. Na bilheteira da Rede Expressos para Trás-os-Montes, espera-se uma advertência, a bem dos clientes: “Comprar um bilhete para Bragança pode trazer-lhe fama de putanheiro”. O imbecil cidadão agradece a disponibilidade dos governantes para cuidar da preservação da espécie.
Já sabíamos que o Estado não confia na honorabilidade dos cidadãos. Descobrimos agora que não confia sequer no seu bom senso. Como os portugueses também não fazem do Estado (na concepção de máquina administrativa que se ocupa do espaço comum) uma ideia muito simpática, Portugal pode ser um óptimo estudo de caso para os cientistas políticos. Em vez do Estado-Nação clássico, definido por um território, uma população e uma administração, vivemos num Estado-Monção, onde o território vai com o vento, a população tem ondas e a administração está de chuva.
Por: Nuno Amaral Jerónimo