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Diário Interior

12 de Fevereiro

Vejo Big Fish (O Grande Peixe) de Tim Burton e deliro com a criancice. Burton e Spielberg, cada um à sua maneira, são crianças grandes e como tal, adoram brinquedos. Em vez de construções de Lego’s ou pókemons preferem câmaras e películas e holofotes e actores. Gosto particularmente de Burton mais negro e de Spielberg mais desassombrado. Mas sempre meninos. O cinema, nas mãos deles, é uma brincadeira de crianças. Infantilmente, eu aplaudo, claro.

13 de Fevereiro

Sexta-feira, 13. O povo diz que esta conjugação tem energias negativas. Ferro Rodrigues não rejeita uma candidatura às presidenciais. O povo lá tem as suas razões.

14 de Fevereiro

No Público de hoje, em manchete, D. Januário Torgal Ferreira admite uso do preservativo e da pílula. O preservativo, eu posso entender. O senhor, lá por ser bispo, não tem de apanhar doenças venéreas. A pílula faz-me mais confusão. Pensava que a reacção hormonal funcionava apenas nas mulheres. Mas talvez o clero tenha também alguns privilégios nos efeitos contraceptivos.

15 de Fevereiro

Hoje houve um Benfica – Porto que me trazia confundido. Sentimentalmente, desejo sempre que o Benfica perca os jogos todos em que entra. Matematicamente, talvez fosse melhor o Porto ter perdido, para que o Sporting se aproximasse do primeiro lugar. Racionalmente, o Porto é uma equipa praticamente inalcançável e uma vitória dos dragões sempre manteria os “encarnados” mais longe do segundo lugar. Por curiosidade, gostaria de ter visto o comportamento de Mourinho, se tivesse perdido na Luz. Empataram, o que não foi bom nem foi mau. Antes pelo contrário.

16 de Fevereiro

Acabo mais um livro de contos de Rubem Fonseca. Não devo estar a exagerar muito se escrever que é um dos mais virtuosos escritores de contos de toda a literatura em português. Pequenas Criaturas tem um vigor narrativo e uma simplicidade nos diálogos dignos de comparecer em qualquer colecção de mestres da short story.

17 de Fevereiro

São absolvidos todos os arguidos do processo de aborto clandestino em Aveiro. O médico perde instrumentos e bens resultantes da prática ilegal. Não foi sequer condenado a prisão, ao contrário da parteira da Maia. Talvez a lei não seja tão medieval como o Bloco e o PCP nos andam a gritar aos ouvidos.

18 de Fevereiro

Os próximos dias são conhecidos como “fim-de-semana de Carnaval”. Considero esta época particularmente deprimente. Chateia-me a boa disposição com data marcada e irritam-me as mascaradas. Nesta altura do ano, muitos se disfarçam do que não são mas gostariam de ser. O mais valente dos machos veste-se de mulher, a mais pudica das mulheres desfila seminua ao frio do inverno português, Jorge Coelho fantasia-se de líder partidário, Santana Lopes de candidato a Presidente e o Benfica de candidato ao título, Cristina Câmara de actriz e Janet Jackson de stripper. Como no Carnaval alguém tem de se vestir de Messias, o Público, a SIC e a TSF nomearam oficialmente John Kerry como “salvador da cristandade”. Como os tempos são outros, a Quaresma não significa o recato de quarenta dias. As partidas, os disfarces, os estalinhos e as bombas de mau cheiro continuam agora durante todo o ano.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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