Nascemos calados mas poucos segundos depois já estamos a berrar. Querem-nos fazer falar e é isso o mais natural no homem. Vivemos para falar. Por isso uma boa parte do nosso tempo de vida é passada em conversa. Nada, pois, mais natural que nos habituemos a avaliar os outros pela sua capacidade de dialogar ou que procuremos o diálogo também nos livros que lemos.
Num romance, os diálogos são aqueles espaços em que respiramos após uma narração longa ou uma descrição que já cansa. São também espaços de vida e movimento, lugares de dramatismo ou encontro e entendimento. Ora, sendo o critério de leitura de muitos leitores o aspeto de um livro ao ser folheado, rapidamente se conclui que um livro sem espaços em branco à custa dos diálogos é um livro que custa iniciar, que não convida, que não é vida. Quantas vezes já vi gente a folhear livros nas feiras que recua perante livros prestigiados em que quase não há espaço branco! A mim, que não tenho medo dos livros sem espaços em branco, agrada-me ler de vez em quando peças de teatro, que permitem muita respiração e imaginação q. b. entre as réplicas, mesmo que saibamos que esses vazios são para ser representados. Aí a liberdade do leitor é a de um encenador que constrói a sua representação e a densidade e artificialidade dos diálogos substitui a banalidade das conversas quotidianas.
As entrevistas de jornal, que são conversas, para além de fazerem parte essencial da ossatura de um jornal ou revista, dentro da enorme variedade textual de um periódico, são espaços em que as palavras lutam com a cara do indivíduo. São espaços em que o leitor joga na antecipação (o que vai dizer este indivíduo?) e em que o entrevistado se sujeita a um desafio (ele sabe que se está a sujeitar a uma prova), nada sendo como dantes após a entrevista. A entrevista de um político é sempre uma análise do indivíduo, mesmo que o tema seja a política e não o político. Quantos políticos já condenámos por não terem pedalada para a comunicação!
Mas se há maus entrevistados, a entrevista pode também malograr-se com entrevistadores incompetentes. Do lado dos entrevistadores, há-os que irritam por serem insidiosos e despropositados, por quererem sangue, outros que são redondos e moles demais. Outras vezes é o entrevistador que quer parecer erudito parecendo o entrevistado, às vezes é a preguiça e a improvisação a trabalhar ou então fazem-se perguntas mais longas que as respostas das individualidades que se escolhem. Outros conseguem criar um modelo de entrevista que, parecendo menos criativo, funciona com eficácia, fruto de novas técnicas de montagem vídeo com efeitos visuais, telas de fundo musicais, inserção de texto, isto é, introduzindo um ritmo “moderno”. Estou a falar do “Alta Definição” (SIC), em que, apesar de algum kitsch, Daniel Oliveira consegue criar ambiente para puxar pela conversa e revelar mesmo aquilo que normalmente o entrevistado não diria. Devo dizer que as entrevistas deste programa em livro (ando a ler o 1º volume) não têm a mesma chispa que o programa de TV, havendo palha a mais, que seria necessário cortar do vídeo para o papel. Absolutamente o contrário de “Pessoal e Transmissível”, da TSF, série extraordinária de entrevistas de Carlos Vaz Marques, feitas com informação, inteligência, sentido de progressão e acuidade, raras em jornalistas da praça. A mesma presença forte que tem no “Governo Sombra” da TSF/TVI24, mostrando que a entrevista mais natural e eficaz não pode jogar no improviso, sendo planeada ao milímetro, como as marcações do teatro. Ou seja, com a espontaneidade do que é meticulosamente preparado. Em “Pessoal e Transmissível”, a entrevista escrita ganha ainda mais qualquer coisa relativamente ao programa radiofónico, como se a escrita lhe desse profundidade e espessura.
Os livros de entrevistas (ou de diálogos) têm ainda o condão de ser ótimos livros de cabeceira e auxiliares do sono. São a leitura mais fácil na cama porque são de fácil digestão e podem-se retomar sem dramas (tenho “Vip Manicure”, esplêndida série de humor já fora do ecrã, quase acabado). E se se está cansado, o sono vem daí a poucos minutos. O resto fica para amanhã (sem desprezo). Aqui ficam as minhas sugestões para este Natal: Daniel Oliveira, “Alta Definição – O que dizem os teus olhos”; Carlos Vaz Marques, “Pessoal e Transmissível”; Ana Bola, “Vip Manicure”.
Um Natal com muito diálogo para os leitores d’O INTERIOR.
Por: Joaquim Igreja