Um dos últimos fóruns da TSF propunha a seguinte questão à discussão dos ouvintes: é a crise para todos? A questão tinha como pressuposto provocatório a verificação de que a maioria dos trabalhadores por conta de outrem tinha visto a sua vida melhorada desde o início da crise. Os juros da hipoteca da casa baixaram significativamente, o preço dos combustíveis também, tal como o da maioria dos bens de consumo. Até o bacalhau, ouvi agora mesmo na televisão, está agora mais barato que em 2008. Sucederam-se as promoções, os saldos, as pechinchas. Com o mesmo dinheiro compra-se agora mais e quem tem liquidez, e não necessita de recorrer ao crédito, tem apenas de estar atento às oportunidades. É por isso que muita gente não acredita nessa coisa a que chamam crise e que é convocada a pretexto de praticamente tudo.
Temos depois os profissionais liberais e as empresas, que sabem bem do que se trata quando se fala de crise: são as facturas por cobrar, é a agressividade dos organismos governamentais com funções inspectivas, são as encomendas canceladas, é a actual gestão de matérias primas – gastar até à ultima molécula do que houver em armazém antes de comprar mais e mesmo assim só se houver encomendas. As empresas precisam da banca para trabalhar. As facturas raramente são pagas a menos de sessenta dias e há cada vez mais empresas a exigirem aos fornecedores, para lhes pagarem, prazos de seis meses. Estes, para poderem produzir meio ano sem receber, precisam de recorrer à banca. Negoceiam então factorings (que não passam de empréstimos sobre facturas), contas de cheques pré-datados, contas correntes caucionadas. Todos estes produtos financeiros têm por efeito uma ainda maior redução das margens de lucro da empresa e um agravar da sua situação financeira.
Imaginemos agora uma qualquer empresa destas, em situação mais ou menos periclitante, a lutar pelo seu lugar no mercado e permanentemente assediada por exigências bancárias como o aval dos gerentes, o aumento dos spreads e dos juros, o vencimento antecipado das obrigações. Esta empresa, de repente, vê uma sua factura de valor mais elevado não ser paga, um seu importante devedor ir à falência ou uma inspecção levantar-lhe um auto de milhares de euros de coimas. O que acontece a seguir? Incumprimento bancário, com execução das garantias e entrada na lista dos devedores de risco do Banco de Portugal, fim do acesso ao crédito, incumprimento das obrigações fiscais e salariais, encerramento e insolvência. Isto é o que tem acontecido em milhares de empresas portuguesas nos últimos anos, tendo como consequência o desemprego para milhares de trabalhadores.
Estes, os desempregados, são quem tem verdadeiramente pago o preço da crise. E são eles o melhor testemunho do imenso egoísmo português. Dizem-nos que o aumento do salário mínimo nacional para €475,00 implicará um aumento paralelo da taxa de desemprego para 12%. O valor é suspeito, até porque vem da CIP, mas tem verosimilhança, tantas são as empresas à beira do abismo (e por cada uma que fecha não há outra a ser criada).
Regresso à pergunta inicial, da TSF. Estes tempos estão muito bem para quem tem o emprego garantido, mas são terríveis para quem não trabalha. Há quem viva melhor que nunca e quem se veja ameaçado pela indigência. Na Irlanda e em Inglaterra houve coragem para diminuir os salários dos funcionários públicos. Aqui, indiferentes aos tempos que passam, vemos os sindicatos da Função Pública exigir aumentos de 4,5% e o salário mínimo subir para valores acordados antes do eclodir da crise.
Por: António Ferreira