Défice de verdade
Já tivemos o défice democrático, o controlismo do controleiro que queria controlar, a asfixia da verdade mas, digo eu que abuso da parvoíce do discernimento e que vitupero o politicamente correto, temos hoje, e nesta campanha, a escassez factual.
Numa campanha que, passados todos estes anos, continua a ser de massas e de insultos, falta-nos escassez factual nas propostas e naquilo ao que vêm os candidatos. Na boa verdade o cardápio dos partidos parece feito para agradar a beirões, sejam eles da Alta ou da Baixa, mas não aponta caminhos, não trilha veredas, não aponta sendas e, mau agoiro de carreiristas e ilusionistas, não mostra uma ideia para a Pátria. Uns e outros, aqueloutros também, não se mostram disponíveis a compaginar uma ideia que não seja rigor nas contas, há que cortar nas gorduras, do Estado; é preciso promover o crescimento, há que importar mais veículos poluentes e vender mais sabões e óleos e pouco mais. Uma mão cheia de castanhas, das secas e chouchas, embrulhadas em papel lustroso mas que não dizem que Estado queremos, de que forma organizamos este país que se esvai sangrado pela emigração e pelo inconseguimento reprostivo e onde pululam concelhos, distritos, comunidades, regiões e serviços, todos implantados sem coerência e muitos sem razão.
De propostas para o cidadão, de concreto, um vislumbre de uma ideia, uma nesga de estratégia, um rasgo de planeamento, nada. A conversa, variando conforme o demagogo que a apregoa – e nisso só têm mudado as moscas, não tem sumo. Escorrida, vertida, analisada e escalpelizada, encontramos a mais profunda das clivagens, entre grisalhos e carecas; entre empregados e precários; entre desempregados e assistidos. Mas do palpável, de coisas que nos impulsem para fora da modorra, zero. Um gritante zero que brada conseguimento. Não é desta forma, sobretudo quando a realidade nos tolda o discernimento a cada hora que passa, que se faz política. Faz-se carreirismo, discute-se a irmã, mais a mulher e o pai, o primo que virou motorista e o carlos que vai ser continuo se o sicrano ganhar. E promete-se, aldraba-se, engana-se e logra-se. Uma política comezinha, de gente reles; uns e outros e aqueloutros também, como se fossemos uns vossa mercê à espera da migalha que cai do terreiro do paço. E nem com binoculo logramos captar o futuro, o amanhã que é já hoje na urgência dos dias aflitos em que vivemos.
E ideias têm? Não. E em tamanha vazio admiram-se que a malta se abstenha. Uns zangados com a escassez projetista, outros, mais cínicos, com os cinco euros que custa o voto num país que por ano gasta mais 7 mil milhões de euros do que ganha, todos juntos, e serão muitos, prometem abster-se, vão abster-se. Um crime que o país não perdoará, o voto é um direito arrancado a metralhadora por quem queria aumento na jorna, mas que acontecerá. Porque podemos ter muita fome, e temos, mas ainda temos a hombridade de poder escolher da comida que escorre. E da gamela que nos servem não vemos acepipes que nos agucem a caneta. E perante o nada que temos abonda-nos o nada que nos prometem. Que o seja que aos costumes nada se diz.
Por: Amadeu Araújo, jornalista