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Decadência

Já todos sabemos que as oposições clamam todas por menos austeridade e que, quando ganham as eleições com esse discurso, começam de imediato a fazer o contrário do que prometeram. Durão Barroso prometia um choque fiscal, na forma de uma forte descida de impostos, o que foi também prometido por Santana Lopes, Sócrates, Passos Coelho e vai certamente fazer parte das promessas eleitorais de António José Seguro. Não nos surpreenderá também que este último, como fizeram os outros, venha a descobrir muito depressa que tem de subir este ou aquele imposto ou todos de uma vez. Isto faz parte já das nossas tradições e ameaça tornar-se tão comum e previsível que já ninguém se ofende muito com isso.

Não é só entre nós. Também François Hollande, em campanha eleitoral, prometia acabar com a austeridade e acabou a subir impostos depois de eleito, ao ponto de querer impor uma taxa de 75% para rendimentos acima do milhão de euros (com isso promovendo uma muito previsível fuga de capitais e empresários). Pouco depois da sua eleição circulou pela internet um mail a publicitar as maravilhas que ele teria conseguido nos primeiros cinquenta, ou cinquenta e seis (?), dias de presidência: acabou com os carros de luxo no Estado, retirou à igreja subsídios que destinou à construção de creches e escolas, terá baixado retribuições a políticos, etc. Estas e outras medidas teriam levado à estabilização dos juros da dívida pública e ao crescimento da economia francesa pela primeira vez em muito tempo. Afinal não era bem assim e Hollande acabou, como todos os outros, lá e cá, a quebrar promessas eleitorais e a subir impostos e, numa embaraçosa manifestação de falta de nível, acaba a visitar, de lambreta, amantes a horas mortas (lembram-se de Kennedy?).

Já não se trata por isso de diferenças entre direita e esquerda, já que na oposição prometem todos menos austeridade, no poder acabam todos a aumentar os impostos, a dar emprego à sua numerosa e ávida clientela partidária e, pelo menos por cá, depois de saírem do governo acabam todos nas grandes empresas e nos conselhos de administração da banca.

Isto acontece tantas vezes da mesma maneira que começa a ser estatisticamente relevante, a tornar-se tão previsível que só já por estupidez ou masoquismo podemos continuar a alinhar no jogo.

Enquanto tudo isto se vai repetindo numa mónotona e interminável farsa, há quem veja o que acontece a uma escala mais global e pense no que é preciso fazer. Dambisa Moyo, em “A Decadência do Ocidente” (Bertrand Editora, 2012), mostra como os países emergentes estão pouco a pouco a empurrar o Ocidente para uma posição de irrelevância, a ganhar a batalha da competitividade, da criatividade e da demografia. Tudo isto enquanto nós continuamos a fingir que é possível manter as regalias do tempo das vacas gordas ou que os nossos problemas desaparecerão quando “os mercados” nos voltarem a emprestar dinheiro.

Por: António Ferreira

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