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Bilhete Postal

Como uma raiva descontrolada, como um pássaro sem rumo, como um voo picado numa falésia, ir descendo, enrolando, batendo na encosta e recordando naqueles instantes últimos o pouco que nos restou da vida vivida. O que vai comigo serão as minhas memórias e mesmo essas, se calha, ficam. Recordar aqueles medos que me tolheram a acção, aquelas vezes em que agir podia ser um fim, aqueles ocasiões em que os receios encostaram e a coragem não veio. E até aqueles dias em que o pânico se manifestou na urina descendo as pernas. Mas não, sei que lembrarei as paixões, os beijos depois das tempestades, ela desnuda caminhando para mim, num recomeço e um perdão. E lembrarei as vitórias difíceis, as vezes em que quase desisti, e a alegria dos filhos. Lembrarei as viagens e os sons que me fascinam, recordarei os quadros que coleccionei. De facto, neste exercício não vi outros materiais senão faces que aprecio, amores que me elevaram e amigos que quase venerei. Havia a família e a sua proximidade. Havia alguns livros e alguns filmes e muitas canetas (este fascínio louco de fetiches que me obrigo a não coleccionar) tinha esta loucura de saber como seria a queda por ali abaixo. De facto, depois percebi que na queda manda mais a vontade de continuar vivendo e sobressai o medo da vida terminar. Batendo na rocha amendrontei-me, no segundo impacto quase chorava e depois enquanto o chão se aproximava não havia memoria nenhuma e só um pânico a sair dos olhos. Era uma queda sem rumo com o corpo sem sentir impactos mas a perceber que perdia. Afinal de tudo, não restava nada. Era o medo que me levava.

Por: Diogo Cabrita

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