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De olhos em bico (parte dois)

Corta!

Para quem tenha ficado deslumbrado com a exuberância visual e coreográfica de Herói, o filme anterior de Zhang Yimou, não sairá com as expectativas defraudadas com o seu mais recente O Segredo dos Punhais Voadores. O encantamento visual mantém-se, chegando mesmo, em muitos momentos, a ultrapassar os níveis atingidos pelo seu antecessor. E O Tigre e o Dragão, de Ang Lee, que começou por dar visibilidade a este tipo de cinema, a um público mais vasto, já parece a anos luz no que a batalhas coreografadas diz respeito.

Mas onde antes a historia não saía prejudicada, por tão pouco interesse nela residir, aqui já tal não acontece. Uma das mais belas histórias do cinema recente fica aqui esmagada por batalhas tantas vezes excessivas. Desnecessárias até. Logo de inicio, deparamo-nos com algo mais próprio para uma competição de ginástica, vertente artística, de uns quaisquer Jogos Olímpicos, onde certamente ganharia a medalha de ouro, mas que surge aqui deslocada.

Um triângulo amoroso surgirá inesperadamente, e por entre tantas reviravoltas quantas as batalhas que os heróis deste filme terão de enfrentar, O Segredo dos Punhais Voadores apaga com a sua beleza visual todo o seu lado narrativo. «Neste filme tudo e todos são belos», dizia alguém após ter visto o filme. Sim, é verdade, mas não basta.

Um puto que brinca

Desde o seu primeiro filme que Wes Anderson é acarinhado pela critica. Filme após filme, todos pareceram deslumbrar nele um verdadeiro autor, com voz e identidade própria, numa indústria cada vez mais formatada, repleta de obras siamesas.

Em Rushmore – Gostam Todos da Mesma, seu segundo filme, por exemplo, éramos surpreendidos por algo que não podíamos deixar de considerar comédia mas onde poucos eram os motivos para rir. Já existia o humor negro, Anderson foi o responsável por criar o humor cinzento, que expandiu depois em The Royal Tenenbaums. Em Portugal, tal filme recebeu mesmo o pomposo nome de Uma Comédia Genial. Uma ideia tão estúpida quanta as suas geniais intenções. O humor desfocado, onde o que realmente fazia rir não estava nunca no centro das atenções, chega agora ao seu máximo depuramento com The Life Aquatic With Steve Zissou. Uma vez mais, neste país à beira mar plantado, liberdades foram tomadas e este acabou por se chamar, na língua de Fernando Pessoa (dizer sempre Camões já aborrece), Um Peixe Fora de Água.

Este ano dificilmente vamos ver algo assim. Filmes destes existem poucos. Wes Anderson é um puto. Adora brincar, vive num mundo muito próprio, e isso nota-se em todos os seus filmes, mas nunca como agora tais ingredientes resultaram tão bem. Do principio ao fim, as aventuras deste Costeau versão menos cientifica e mais sorumbática, rodeado de cromos para todos os gostos, estilos e necessidades, criam um mundo mágico onde tudo, mas mesmo tudo, pode acontecer. A busca do Tubarão-Leopardo, qual Moby Dick, será desculpa para as mais fantásticas viagens. Motivos de tal busca? Os mais científicos possíveis: vingança.

Já não é de agora, mas nunca é demais dizer que Bill Murray é, por si só, uma personagem, e que basta a sua presença para nos garantir momentos de puro génio. A diferença existe ainda, e afinal, no cinema actual, nem todos os filmes são iguais. Mas aqui não é só a diferença que transforma Um Peixe Fora de Água num dos melhores filmes estreados este ano. Deixem as crianças brincar! Em especial este puto.

PorHugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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