Arquivo

De Charles Lindbergh a Caryl Chessman

Em 21 de Maio de 1927, Charles Lindbergh completava a primeira travessia aérea sem escala do Atlântico Norte. Esta proeza traz-lhe fama e proveito: desde uma parada triunfal num descapotável ao longo da 5ª Avenida, em Nova Iorque, até ao recebimento de um prémio de 25.000 dólares, passando por inúmeras recepções e condecorações. Passados alguns anos, uma terrível tragédia pessoal ganha-lhe definitivamente o coração dos americanos. Em 1 de Março de 1932 é raptado e, poucas semanas depois, assassinado o seu filho de 20 meses. Bruno Hauptmann, o suposto assassino, é condenado à morte e executado, apesar de jurar inocência até ao último momento. O Congresso Norte-Americano, reagindo a quente, aprova uma lei, depois conhecida como “Lindbergh Law”, que determina a pena de morte para sequestros com ofensas corporais.

Lindbergh acaba por deitar a perder boa parte da sua popularidade ao revelar simpatia por Adolfo Hitler, a quem considerava um paladino da luta anti-comunista, assim como por ideias de eugenismo que fez questão de tornar públicas. Em 2004 Philip Roth, que muitos consideram ser o maior escritor americano vivo, publica “A Conspiração Contra a América”. Roth ficciona umas eleições presidenciais em 1940 em que Lindbergh concorreria contra Roosevelt e se tornaria presidente dos Estados Unidos. Esta vitória eleitoral teria efeitos dramáticos: a América, com um pró-nazi na presidência, recusa entrar na segunda guerra mundial e deixa os seus velhos aliados europeus entregues a si mesmos. Entretanto, a nova administração envereda pelos caminhos do anti-semitismo e esquece a herança democrática e humanista dos “founding fathers”.

Em 1948 Caryl Chessman é preso pela polícia de Los Angeles, acusado de ser aquele a quem os jornais chamam “The Red Light Bandit”. Segundo a acusação, Chessman teria forçado várias mulheres a terem relações sexuais com ele depois de as arrastar para fora dos seus carros. Chessman recusa um advogado e decide tomar em mãos a sua própria defesa, com efeitos catastróficos. Depois de trinta horas de deliberação, o júri decide pela sua culpabilidade o que tem como consequência, graças à Lei Lindbergh e às circunstâncias do caso (sequestro com ofensas físicas), a condenação à morte.

Na prisão Chessman escreve vários livros às escondidas dos guardas, depois traficados para o exterior e publicados. Transforma-se numa bandeira da luta contra a pena de morte e muitos reclamam, em todo o mundo, ou a comutação da sentença em prisão perpétua, ou a realização de um novo julgamento, atendendo às inúmeras irregularidades e dúvidas mal resolvidas que estavam por detrás da sua condenação.

De recurso em recurso, Chessman vai adiando o momento decisivo até que um dia, já na câmara de gás, um telefonema de um juiz destinado a suspender a execução chega tarde de mais: as cápsulas de cianeto já tinham caído no alguidar de ácido e os vapores letais começavam a encher a câmara; a abertura da porta seria fatal para as testemunhas da execução e para os funcionários da cadeia.

Foi em 2 de Maio de 1960 e Chessman enfrentou a morte com coragem, como anotou a minha mãe, que tinha acabado de ouvir a notícia na rádio, na última página de “2455, Cela da Morte”.

Por: António Ferreira

Sobre o autor

Leave a Reply