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Crónica de Bishkek

Theatrum Mundi

Bishkek é a capital do Quirguistão, uma das problemáticas repúblicas centro asiáticas catapultadas para o topo da agenda estratégica global após o 11 de setembro e a guerra do Afeganistão. Bishkek é a antiga Frunze soviética, capital da República Socialista Soviética da Quirguízia e, pela neve que já se acumula nas montanhas Tien Shan, o inverno está próximo. É domingo, 7 de outubro de 2012, o dia é solarengo e as temperaturas diurnas bastante agradáveis, mas os habitantes de Bishkek não têm ilusões – o longo inverno está à porta. Dizem-me que nos últimos anos tem vindo mais rigoroso – mais frio, mais seco mas com mais neve – e que a culpa é do desaparecimento do mar de Aral, a milhares de quilómetros ao norte. As alterações climáticas têm aqui uma visibilidade inequívoca e isso contribui para agravar as dificuldades políticas de um governo a braços com um défice excessivo, altas taxas de desemprego jovem e um país dividido por fraturas norte-sul entre quirguizes e usbeques. As comitivas nupciais que se aglomeram na Praça da Vitória (que celebra o fim da Segunda Guerra Mundial e a vitória sobre os alemães) para tirar fotografias e lançar pombas ao ar parecem alheias a tudo mas, segundo me dizem, um inverno demasiado pesado em termos de cortes de eletricidade, apagões generalizados e subida dos preços do trigo fará os quirguizes sair às ruas e derrubar o governo.

E, no entanto, o Quirguistão é hoje uma democracia liberal, a única na Ásia central. Digamos antes que é o único regime não autoritário da Ásia central, a única antiga república soviética da região que tem vindo a evoluir do autoritarismo para a democracia liberal – apesar de ser visto pelos seus vizinhos como um estado falhado, ingovernável e com um poder político fraco. Os últimos anos assistiram mesmo a uma série de revoluções e experiências de renovação nacional, assentes numa crescente liberdade de expressão e associação e na utilização generalizada, e sem censura, da Internet. Uma democracia liberal em tempos apelidada de Suíça da Ásia central e em cuja capital esbarramos, a par e passo, com as estátuas dos heróis de guerra soviéticos e com as suas foices e martelos. E esbarramos com Lenine, no pedestal de que não foi derrubado nem mesmo com a dissolução da URSS e o consequente ressurgimento do islamismo no independente Quirguistão.

No centro de Biskek, ao lado da Praça das Montanhas de Alá, ergue-se a Casa Branca. Edifício paquidérmico e soviético, alberga a presidência da República e o Parlamento, sendo o alvo da ira popular cada vez que interesses particulares são afetados pela governação. Foi assim em 2005, foi assim em 2010 e foi assim na passada quinta-feira quando um grupo de manifestantes, liderados por deputados da oposição parlamentar, tentou forçar a entrada no edifício e provocar um novo golpe de estado. Desta vez, o estado resolveu rapidamente a intentona, os parlamentares foram presos e as ruas tomadas pela polícia que controla tranquilamente a passagem pela Casa Branca. Conversando com alguns locais sobre o sucedido, dizem-me que os quirguizes estão fartos de instabilidade e de corrupção, e de serem manipulados pelos políticos que utilizam os eleitores em favor dos seus interesses privativos. Mas também me dizem que admiram Vladimir Putin pela liderança forte e pela governação musculada. Difícil dizer para onde se encaminha o mundo pós-soviético…

Por: Marcos Farias Ferreira

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