Os ânimos parecem andar outra vez alterados para as bandas de Canas de Senhorim. Pela amostra das reportagens televisivas as pessoas destilam revolta e ódio. Se por um lado se compreende o barulho, perante o impasse que foi criado pelo veto presidencial em relação à elevação de Canas a concelho, por outra parte fica-se com a impressão de que nesta guerra já vale tudo. Desde cortar a linha do comboio, às ameaças, pouco veladas, de atentar contra a vida ou a saúde do Presidente da República, tudo parece valer para impor uma reivindicação. Ultrapassam-se nitidamente os limites do bom senso e da razoabilidade. Caiem as barreiras da civilidade. O que pensarão destas atitudes todos os que em directo assistem a estas tristes cenas? E os mais novos em particular? Como pretender que se respeite um professor ou um polícia se até o mais alto representante da nação é barbaramente acusado e condenado em praça pública? Coitado do Sampaio, penso com os botões, que se vê enredado numa teia que não foi ele que teceu (lembro-me das promessas eleitorais do candidato Durão Barroso). Nestas situações, atendendo à falta de decoro a que se chegou, importará mais do que saber de que lado está a culpa ou a razão, reflectir sobre os acontecimentos em si mesmo. Temo que a balbúrdia de Canas seja um simples sinal da crise de valores que se vem instalando na sociedade portuguesa. Se olharmos a realidade à nossa volta damo-nos conta de que há um esboroar dos valores que a geração dos nossos pais e avós tinha como princípios. O respeito pela autoridade. O respeito pelas leis. O respeito pelo outro. Aquilo que antes era sagrado é agora ameaçado e posto em causa quer se trate de questões da vida local das populações, quer se trate de questões do foro judicial ou do foro desportivo. O que se passa é que hoje em dia (como diria Pessoa) já ninguém sabe o que é mal e o que é bem. A dúvida instala-se em mentes que têm falta de referências ou que têm por referências os maus exemplos. Como pretender que o fair-play seja entronizado se o que todos nós vemos no dia a dia dos jogos, são agressões, simulações e demais panóplia de meios para vigarizar os árbitros e ganhar os jogos por todos os expedientes possíveis e inimagináveis? O problema é que são essas as referências que mais depressa e melhor “entram” na formação ética de valores quando se trata de jovens desportistas. Colhe mais o (mau) exemplo dos “media” do que o pressuroso e paciente labor levado a cabo pelos professores na escola. As referências que antigamente eram dadas pela família e pela vida conjunta dos seus membros é agora substituída pelas imagens com que as televisões inundam o pouco tempo que nos é deixado livre.
Ps. Decorreu na Guarda, no auditório do IPJ, sob organização do Instituto de Desporto de Portugal (IDP) e do Inatel, uma acção de formação sobre treino com jovens. Temo que tudo o que ali seja dito (já agora, aproveito a ocasião para denunciar o atraso com que a mesma se iniciou), seja facilmente esquecido e substituído por uma qualquer acção de anti-fair-play protagonizada por um craque ou um dirigente dos nossos principais clubes de futebol. É assim Portugal.
Por: Fernando Badana