Depois de “Gilda” (1946) e “The Lady from Shanghai” (1948), a comédia musical “Cover Girl” (1944), bastante apropriada para a época natalícia dada a sua essência de película familiar, é o filme que mais se associa à adorável e mítica Rita Hayworth. Este musical de Charles Vidor (o mesmo realizador de “Gilda”), que é um tributo à beleza feminina, não é, decerto, uma obra-prima, mas não deixa de ser um dos filmes da minha vida dado o glamour nele patente. Tal como vários musicais da época, “Cover Girl” é escapista, patriótico (afinal, vivia-se a Segunda Guerra Mundial) e, claro, dotado de uma fotografia com um luxuriante Technicolor.
Comecemos por abordar a música. Da autoria de Jerome Kern e Ira Gershwin (responsável pela letra), é bastante apreciável, atingindo o seu máximo com a canção “Long Ago (and Far Away)”, nomeada para o Óscar de Melhor Canção Original. A par disso, temos igualmente simpáticos números de dança, alguns deles integrados na narrativa, merecendo destaque o grandioso e kitsch “Cover Girl (That Girl on the Cover)” e o fantástico “Alter-Ego Dance”, onde o sempre inovador Gene Kelly baila com o seu “alter-ego” numa sequência inegavelmente criativa do ponto de vista técnico.
Como se sabe, adoro “movie stars” e Rita e Gene foram das mais cintilantes que houve, compartilhando em “Cover Girl” uma química inexcedível (principalmente nos momentos de dança). Infelizmente (e aqui reside o calcanhar de Aquiles do filme) as suas personagens não resultam muito credíveis nem suficientemente bem desenvolvidas (o que espelha o sofrível guião de Virginia Van Upp). A supostamente agradável rapariga de Brooklyn que Rita encarna revela-se uma completa idiota sem que o argumento o tencione. Já Gene dá vida a uma personagem algo chauvinista que, para os dias de hoje, pode resultar bastante insuportável (o machismo era tão comum na altura que, mais uma vez, a história, em momento algum, pretende mostrá-lo como alguém desagradável). Muito mais bem construídas estão as personagens da bela Leslie Brooks e da formidável Eve Arden, que, como de costume, rouba a cena sempre que aparece com as suas deixas viperinas e acutilantes.
Outra coisa que não aprecio especialmente é o guarda-roupa tão pouco inspirado e inspirador. Rita está no auge da beleza, mas algumas das suas vestimentas são pavorosas, envergonhando qualquer espectador com o mínimo de bom gosto. Independentemente disso, “Cover Girl” resulta, no seu conjunto, num musical agradável. Aquilo que mais me perturba é o machismo inerente ao desfecho da história. Todavia, se nos focarmos essencialmente nos maravilhosos números de dança, no magnetismo de Rita e na interpretação arguta de Eve Arden, “Cover Girl” surge-nos como uma notável pérola do musical clássico e faz-nos convencer imperecivelmente de que Rita é das figuras mais fascinantes que já povoaram a tela de cinema. E isto é tão óbvio que a Columbia, um pequeno estúdio na altura, fez um musical para a Rita como se da MGM se tratasse. Classificação: 3,5/5
Miguel Moreira