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Costa(s) largas

A chegada das férias de Verão (que este ano não o tem sido) é ocasião propícia a balanços. Mas com a negociação do último Orçamento desta legislatura já em curso, é também um momento para antecipar o que será o próximo ano político.

O balanço é como a pescada: antes de ser já o era. É que depois do maior crescimento do século, do menor défice da democracia (excluindo a recapitalização da CGD) e na antecâmara do frenético ciclo eleitoral de 2019 (europeias, legislativas e regionais na Madeira), 2018 seria necessariamente um ano para deixar andar. Ou seja, um ano mais sem custos eleitorais vindos de qualquer reforma no ou do Estado. Uma economia europeia a abrandar e uma União Europeia imobilizada pelos seus próprios fantasmas fizeram o resto.

O custo conjuntural de fazer ou mudar é sempre muito superior ao do adiamento para a “altura própria”. Pelo contrário, o progressivo adiamento acarreta consequências estruturais mais graves – veja-se o exemplo do adiado aeroporto de Lisboa. Como diria Keynes, no longo prazo estaremos todos mortos. Mas, até lá, há eleições que disputar.

Essa disputa já começou. Primeiro com o secretário-geral socialista, António Costa, a tentar reaproximar-se do centro político – aí contando com a colaboração do novo presidente do PSD, Rui Rio – para afirmar o PS como partido charneira do quadro político português. A ideia é simples: tudo (todos) com o PS, nada (ninguém) contra o PS. Por outras palavras, garantir que o PS é o eixo em torno do qual qualquer solução governativa tenha de ser encontrada, seja à esquerda seja à direita.

Nas últimas semanas, Bloco de Esquerda e PCP também entraram, para ficar, nessa disputa. Os dois partidos esforçam-se, agora ainda mais, por se distanciarem e distinguirem do Governo, num crescendo retórico que já não baixará. Mas ruído é e sempre foi de esperar numa geringonça por melhor oleada que estivesse, e não será isso a provocar disrupções. No debate do estado da nação, bloquistas e comunistas deixaram um caderno de encargos suficientemente amplo e genérico (reforço dos direitos dos trabalhadores, acesso à habitação e mais investimento público, com destaque para a saúde e transportes) para afastar do horizonte um cenário de chumbo do próximo documento orçamental. E apesar da insatisfação decorrente do Governo ter aprovado, com apoio do PSD, os diplomas que operacionalizam a descentralização (Lei das Finanças Locais e Lei-quadro) – que na vez de reforma é ainda somente uma burocrática transferência de competências não decisórias – tanto o BE como o PCP já manifestaram disponibilidade para reeditar a atual plataforma parlamentar que suporta o Executivo socialista, tendo inclusivamente apoiado Costa na votação do ISP.

O estado da arte aponta para que, mesmo debaixo de uma chuva de críticas por falta de ambição, o Orçamento do Estado para 2019 seja aprovado com o guarda-chuva do medo do ónus de uma crise política. Mesmo sem a almejada maioria absoluta, será Costa a escolher como quer – ou consegue – governar.

Por: David Santiago

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