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Corporação “fantasma” em Unhais da Serra

Bombeiros existem há 23 anos, mas não são reconhecidos pelo SNBPC nem pelos comandos vizinhos

«É, no mínimo, caricato e surreal». A afirmação é de Bernardo Domingos, presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Unhais da Serra, ao retratar a situação vivida por aquela corporação. Estão constituídos legal e estatutariamente há 23 anos, comemorados no último fim-de-semana, mas continuam a trabalhar praticamente na «clandestinidade», pois não são reconhecidos pelo Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNBPC), nem pelos Bombeiros da Covilhã.

«O que é estranho, já que somos chamados para combater os fogos», afirma aquele responsável, que assumiu a presidência da direcção há apenas uma semana.

O seu antecessor pediu a demissão: «Não sei quais foram os motivos, mas calculo que tenha sido um pouco pelo cansaço gerado com todo este caso», especula Bernardo Domingos. O próprio confessa estar também «farto» dos bombeiros de Unhais serem marginalizados por um sistema que continua a reclamar mais “soldados da paz”. Por isso, está disposto a encetar todos os esforços junto da autarquia, Governo Civil e até do secretário de Estado da Administração Interna. Uma atitude radical, após «três anos de tentativas» infrutíferas para se constituírem como secção dos Voluntários da Covilhã. «Tivemos reuniões com aquela corporação para resolver o problema e chegamos a enviar alguns elementos para formação», recorda, revelando ainda que chegaram mesmo a retirar a palavra “bombeiros” do nome da associação para se constituírem como secção. «Passámos a designar-nos como Associação Humanitária de Unhais da Serra. Mas até agora nada foi feito», lamenta. Assim sendo, agora «ou vai ou racha», avisa, dizendo estarem «fartos de andar há 23 anos aos papéis».

«Estamos disponíveis para termos formação e para sermos reconhecidos», salienta. Até agora, foi graças à «carolice» dos seus elementos, cerca de três dezenas, e através de beneméritos, entre os quais os empresários Paulo de Oliveira e António Lopes, que conseguiram instalações e equipamentos. Sediados num edifício cedido pela Penteadora, possuem até ao momento quatro viaturas de combate a incêndios e uma cisterna com capacidade para cerca de 40 mil litros de água, oferecida no último fim-de-semana por um empresário. E este já se terá comprometido a ajudar na construção de um pavilhão assim que a associação conseguir encontrar um terreno com dois mil metros quadrados, acrescenta Bernardo Domingos.

Tarefa árdua pela frente

No entanto, a independência e o seu reconhecimento não se augura uma tarefa fácil. Isto porque os Bombeiros da Covilhã têm que emitir um parecer sobre a necessidade de mais uma corporação no concelho, além da posição da autarquia e do Governo Civil. «Não os conheço. Os únicos bombeiros que reconheço no concelho são os Voluntários da Covilhã», respondeu Emídio Martins após ter sido questionado por “O Interior” sobre o caso. O presidente da direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros da Covilhã é incisivo ao ponto de afirmar que «eles não são nada. Auto-intitulam-se como bombeiros, mas para o serem é preciso ter formação», diz, afirmando-se totalmente contra a existência de «bombeiros particulares» para Unhais da Serra. «Nós servimos o concelho e se o SNBPC achar por bem haver mais uma corporação, então eles que se responsabilizem para abrangerem também o Paúl, as Cortes ou a Barroca. Mas acho que não têm capacidade para isso», refere. De resto, a hipótese de constituir uma secção em Unhais também está posta de parte, pois «não é rentável e não há condições para o fazer», dado haver já uma secção no Paúl. «Não podemos ter bombeiros em cada esquina», defende-se.

Posição que, para Bernardo Domingos, fica a dever-se apenas ao receio de ver «as verbas repartidas», especula. Também Rui Esteves, coordenador distrital do Serviço de Bombeiros e Protecção Civil, negou ter «alguma vez» requisitado esta corporação para acções de socorro, pois «não são reconhecidos e, legalmente, não estão habilitados». E refuta mesmo que os tenha visto em combate a fogos. «No meu comando, nunca foram requisitados», garante. Por sua vez, Joaquim Matias, vereador da Câmara da Covilhã responsável pela protecção civil, confirmou a “O Interior” ter estado presente no aniversário da corporação e ter debatido o problema com o seu presidente, no entanto, recusou-se a revelar se estará disponível para ajudar a obter o reconhecimento ansiando há 23 anos.

Liliana Correia

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