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Como se destrói uma maioria

A manchete de primeira página da edição de 11 de junho de 2015 de O INTERIOR noticiou a destituição do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo.

Segundo o Sr. Presidente da Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo, Dr. Paulo Langrouva, um dos motivos para a destituição do vice-presidente foi o facto de ele ter assinado cheques referentes a apoios para associações e coletividades numa altura em que o presidente estava ausente do município por se encontrar no estrangeiro.

O Sr. Presidente da Câmara pode arranjar todas as desculpas que quiser para destituir o seu Vice-Presidente dos cargos que lhe atribuiu, de livre e espontânea vontade. O que ele não pode é, para “livrar a água do seu capote”, faltar à verdade e fazer afirmações que não correspondem à verdade.

Então, quando o Presidente da Câmara se ausenta do município, nem que seja apenas por alguns dias, a Câmara para? É lógico que não, nem poderia ser de outro modo. Então quem é que o substitui nas suas ausências e impedimentos?

Segundo a lei, compete ao Presidente designar, de entre os vereadores, o Vice-Presidente a quem cabe substituir o Presidente, nas suas faltas e impedimentos, para além de outras funções que lhe sejam atribuídas (uma substituição que terá a duração das ausências ou dos impedimentos do Presidente).

Ora, na ausência do Presidente quem o substituía e assinava todos os documentos, autorizações de pagamento, cheques, etc., foi sempre, por inerência de funções, o Vice-Presidente.

Para comprovar este facto, basta consultar, por exemplo, a Ordem de Trabalhos da reunião de Câmara de 16 de março de 2015, onde, no seu ponto 2.9 (Ratificação da Transferência de montantes para a Figueira, Cultura e Tempos Livres, E. E. M.), está incluído um despacho do Presidente da Câmara (datado de 3 de setembro de 2014!), que está assinado pelo Vice-Presidente. Em seguida, foi emitida uma Ordem de Pagamento, datada de 4 de setembro de 2014, onde, no local reservado à assinatura do Presidente do Órgão Executivo, está, bem legível, a assinatura do Vice-Presidente.

Despacho n.º 21 – PCM/2014, de 3 de Setembro de 2014):

(…)

«1 – Autorizo que seja realizada uma transferência de € 43.725,08 (quarenta e três mil setecentos e vinte e cinco euros e oito cêntimos) para a Figueira Cultura, para que sejam efetuados os pagamentos dos salários do mês de Agosto de 2014 e demais despesas globais associadas».

Não pode deixar de se estranhar que o referido Despacho (datado de 3 de setembro de 2014), só tenha sido levado, a uma reunião de Câmara, para aprovação, seis meses depois, no dia 16 de março de 2015. Infelizmente, as hesitações constantes e os recuos frequentes na tomada de decisão do Sr. Presidente dão origem a inúmeras situações como esta.

Por conseguinte, não restam dúvidas em relação a este facto: na ausência do Presidente era o Vice-presidente quem o substituía, enquanto perdurasse tal situação, e como tal, era o vice-Presidente quem assinava os documentos, as autorizações de pagamento, os cheques, etc..

De qualquer modo, convém salientar que as referidas autorizações de pagamento e os cheques não eram assinados “contra a vontade do Presidente”, pois estas autorizações tinham passado pela aprovação prévia em reunião de Câmara e o Sr. Presidente sempre votou a favor.

No que diz respeito aos pagamentos relativos a apoios para associações e coletividades, estes foram todos aprovados, anteriormente, em reunião de Câmara Municipal, tendo o Vice-Presidente apenas formalizado a emissão do título de crédito, na presença de um dos advogados ao serviço do município, o Dr. Nuno Saldanha. Deste modo, o que o Vice-Presidente fez foi apenas dar cumprimento a uma deliberação do Órgão, saída de reunião de Câmara. Então o Sr. Presidente não fazia intenção de cumprir uma deliberação aprovada em reunião de Câmara Municipal? Se isso for verdade, então estamos perante um facto muito grave que, segundo a Lei da Tutela Administrativa, tem, como sanção, a dissolução do Órgão. Ou será que o Sr. Presidente queria, mais uma, vez como é seu hábito, protelar a decisão “sine die” só pelo facto de se encontrar ausente do município? Nem quero pensar que a razão tenha sido outra, ainda mais grave, dadas as evidentes divergências políticas entre o Presidente e as referidas instituições.

O Sr. Presidente afirmou, ainda, num outro órgão de comunicação social que se pagaram subsídios a uma associação que não existia, o que, a ser verdade, seria grave, mas, nesse caso, a responsabilidade não seria do Vice-Presidente mas sim do Presidente porque não o sindicou, em devido tempo, e o aprovou em anterior reunião de Câmara. O Sr. Presidente devia divulgar o nome da associação que, na sua opinião, não existe, mas recebeu um subsídio da Câmara (aprovado em reunião de Câmara!).

(…)

Convém recordar ao Sr. Presidente que, depois de ter sido eleito, passou a ser o Presidente de todos os Figueirenses, sem exceção! Ou será que é só de alguns, dos amigos?

A unidade da maioria do PS na Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo durou pouco mais de ano e meio, mas até podia ter durado menos!

Quando o Presidente dessa maioria toma uma decisão, da sua exclusiva responsabilidade, no sentido de dissolver a única empresa municipal do concelho, despedindo, assim, a quase totalidade dos seus 59 funcionários (uma decisão que não constava no programa eleitoral desta maioria, tendo o Presidente feito uma promessa às pessoas; “não despediremos ninguém!”), não há unidade política que resista!

Quando o Presidente dessa maioria decide tomar uma decisão deste tipo, fortemente penalizadora do cabal desempenho das atribuições do município, e que colocava em causa a própria sustentabilidade do Concelho e a vida de muitas famílias que nele decidiram investir os seus recursos, não há unidade política que resista!

Por conseguinte, uma decisão com esta gravidade e com estas consequências, económicas e sociais para o concelho, da exclusiva responsabilidade do Presidente, não obriga a qualquer solidariedade por parte dos vereadores do executivo.

Existirá alguma quebra de confiança quando um vereador se opõe a uma decisão fortemente penalizadora do futuro do concelho, por entender que existe outro caminho (como ficou provado existir)? Desafio o Presidente da Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo a olhar para o que aconteceu nos municípios vizinhos, com problemas semelhantes, nos quais não foi despedido nenhum funcionário das empresas municipais.

De qualquer modo, apesar de estar em total desacordo com a decisão de dissolução da empresa municipal, o Vice-Presidente deu, à maioria, a maior das provas de confiança ao abster-se numa segunda votação, durante o Verão “quente” de 2014, para não deixar os funcionários da Casa da Cultura com o seu futuro suspenso por tempo indeterminado (apesar de, com esta atitude, ter posto em causa o seu bom nome, a sua seriedade e o seu respeito pelas pessoas).

Tal como diz o povo, “só não sente quem não é filho de boa gente” e, como figueirense, o Vice-Presidente não podia deixar de se sentir incomodado com esta decisão que, além de prejudicar fortemente muitas famílias (deixando quase 300 pessoas sem rendimentos, numa vila com pouco mais de 2.000 habitantes!), contrariava, em absoluto, o que tinha sido prometido durante a campanha eleitoral.

É tempo de credibilizar a atividade política, para que os cidadãos voltem a acreditar na palavra dos políticos. Mas, para isso, tem de se cumprir com o que se promete e, em caso algum, fazer o contrário do que se promete!

Apesar de tudo o que foi dito, quem esteve presente e enfrentou, numa conferência de imprensa com a comunicação social, os sindicalistas do STAL e os próprios funcionários, após o despedimento coletivo desse Verão de 2014, foi o Vice-Presidente (o Sr. Presidente foi para férias descansado (!), como se não tivesse nada a ver com a situação).

É pena que o Sr. Presidente não tenha percebido o alcance da vitória eleitoral da atual maioria política (agora só na Assembleia Municipal). O Sr. Presidente não consegue entender que os Figueirenses não votaram só nele. Votaram na equipa que o rodeava, de quem ele, aos poucos se vai desfazendo. Toda a gente sabe que se ele se candidatasse sozinho perdia de certeza! Foi por isso que convidou o Vice-Presidente, recentemente destituído, a entrar num projeto eleitoral assente num programa que tinha objetivos bem definidos e um rumo. O que ninguém esperava era que, dois anos volvidos, esta “maioria” andasse já a “navegar à vista” e sem rumo.

António Morgado, ex-vice-presidente da Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo, carta recebida por email

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