Esta semana dedicamos o nosso tempo – o meu a pensar nisto, o do leitor a pensar que poderia muito bem estar a fazer algo mais proveitoso, como ordenhar cabras numa cabana das Penhas Douradas – a uma profissão de elite. Ser comentador é o mais alto degrau da escada comunicacional. É ser-se o Cristiano Ronaldo da opinião sobre a actualidade. É procurar o respeito dos outros (e não tanto o peito das outras) através de comentários lúcidos, serenos e incisivos. Só assim é possível algum dia chegar a comentador. Caso contrário, corre-se o risco de ser o próximo Rui Santos.
Devo advertir o leitor para não confundir comentador, labuta exigente de tacto e argúcia, com comendador, algo que até Joe Berardo consegue ser.
Aqui, chegados a este passo, devemos discernir um bocado. Se o leitor se quer treinar para ser um grande comentador, deve começar por discernir bastante, por introspectivar q.b. e por sair de casa de robe e chinelos, para dar um ar de quem está deveras preocupado com o salário médio dos portugueses ou com a micose intersticial de Farnerud. Como candidato a comentador, o leitor deverá saber fazer ligações entre assuntos totalmente diversos como os que acabei de apresentar. Vejamos um exemplo. O salário médio dos portugueses é mais baixo que o valor do silicone nas mamas da ex-Floribella. Já Farnerud vê-se menos no relvado de Alvalade do que Luciana Abreu descascada em revistas masculinas. Compreende? Atentemos a outro modelo de raciocínio para relacionar baixos salários e Farnerud: o jogador sueco passa mais tempo no banco do que os nossos ordenados. Está a ver? Elaboremos, agora. Um sportinguista feliz é o que ainda tem dinheiro e Farnerud no banco.
É neste parágrafo que a distinção entre géneros comentarísticos se desenvolve. Há três grandes categorias de comentadores: os políticos, os desportivos e os sociais.
O primeiro é o mais respeitado de todos, por ser alguém que percebe de politica o suficiente para não querer concorrer a eleições – e muito menos ganhá-las. Para ser comentador na RTP é necessário ter sido a eterna esperança do PS e do PSD. Para outros meios de comunicação já é exigível uma sólida argumentação e boa capacidade de análise. Dentro deste grupo inclui-se o comentário económico, a análise internacional e a apreciação da vida depravada dos governantes – os que a tenham.
O segundo género, o comentário desportivo, é uma área sensível por afectar paixões clubísticas, principalmente quando o clube em causa é o clube de strip frequentado por árbitros e dirigentes. O comentador desportivo deve apresentar duas qualidades, a saber: a tendência larga para o exagero e um moralismo puritano exacerbado. A primeira leva-o a considerar o 17º lugar de Eunice Raposinho no corta-mato do Brunei-Darussalam uma classificação de nível mundial, a segunda a solicitar pena de decapitação para desportistas mal-educados, por julgarem que é através do desporto que irão edificar um mundo perfeito. Se quer ser comentador desportivo, o leitor deve abster-se de qualquer comportamento menos correcto, para poder, durante o exercício da profissão comentarística, bradar contra as modas. Há também um léxico próprio a dominar, como “fazer troca por troca” ou “melhorar os índices de aproveitamento”.
Finalmente (dirá o leitor) o último género, o comentário social, é muitas vezes confundido com a popular “conversa de comadres”. Erradamente, como veremos. A “conversa de comadres” é paleio amador entre mulheres para passar tempo, falando sobre vida alheia, ao balcão da mercearia ou no salão de cabeleireiro. Já a Tertúlia Cor de Rosa é um espaço de comentário profissionalizado, que se ocupa do importantíssimo quotidiano de pessoas famosas, no estúdio da SIC e com José Castelo Branco, Cláudio Ramos e outras. Esta é, aliás, a única característica que as aproxima: neste género, não há comentadores do sexo masculino.
Por: Nuno Amaral Jerónimo