Um mês depois de Pedrógão Grande, e enquanto continuamos chocados com o que vamos sabendo, com cada história de sobrevivência que nos vai sendo contada ou com a extraordinária onda de solidariedade dos portugueses, o país volta a arder como nunca. Ou como todos os anos. As televisões transmitem os telejornais, trinta dias depois, em directo de Pedrógão e, no horizonte, o fumo e o cheiro a fogo são a marca indelével de uma paisagem incinerada. Em Oleiros, em Alijó, em Mangualde, em Murça (Foz Côa), no Rochoso (Guarda) ou no Freixo (Almeida) o fogo leva tudo na frente, sem que ninguém possa travá-lo.
O pânico e o medo das populações rurais, que não dormem quando o fogo anda por perto, tem de ser aliviado pela segurança que as autoridades têm de garantir. O Estado não pode continuar a deixar andar… A segurança das pessoas é responsabilidade do Estado e é uma das suas incumbências primordiais, naõ podemos tolerar que este falhanço atroz seja aceitável e que os governantes se demitam da sua responsabilidade.
Segunda-feira, o presidente da câmara de Alijó, impotente e destroçado deixou um apelo: «Alguém que perceba de combate a incêndios tem de nos vir ajudar». É o apelo que as populacões fazem todos os dias perante a besta destruidora que varre a floresta, o campo e as aldeias do interior de Portugal. Perante a inépcia e desorientação dos comandos da proteção civil e a falta de capacidade de resposta das autoridades, ou a falta de liderança do governo (não precismos de uma ministra que chore perante a tragédia, precisamos de governantes que reajam com discernimento e liderança perante o infortúnio), o desejo em Alijó e em todos os demais fogos é que apareça alguém que perceba de combate a incêndios. O impressionante dispositivo de meios da Protecção Civil, os meios aéreos e todo o demais investimento tem servido para muito para muito pouco afinal. Se em Pedrógão a culpa foi dos eucaliptos, que justificações se podem encontrar quando arde pinhal e mato abandonado e a capacidade de intervir é igualmente baixa?
Um mês depois de Pedrógão Grande exige-se uma política de fundo para o interior do país. Um “plano Marshall” que contrarie o abandono e o despovoamento, que promova a economia e o emprego; um plano de qualificação ambientam e políticas de apoio à florestação e agriculcutura; um plano “verde” que assente na flora autóctone, na vigilância e limpeza, no ordenamento e na organização do território. O que arde é privado mas é o estado quem paga o combate ao fogo, a nacionalização da floresta e a gestão pública dos campos pode ser um caminho – o futuro passa por essa enorme mudança de paradigma sobre a propriedade, em especial nos territórios de minifúndio e abandono do mundo rural.
Enquanto arde, um pouco por todo o lado, devemos reflectir sobre as mudanças climatéricas, sobre o estado do mundo rural, sobre a desertificação do interior, sobre o despovoamento por falta de opções de futuro, sobre as políticas autárquicas e sobre o caminho que queremos para o nosso futuro. Enquanto assistimos ao habitual “deixa andar”, sem exigência e a pensar no presente, o futuro será negro. O fogo não pode continuar a ser combatido apenas quando está a arder…
Luis Baptista-Martins