Vamos lá começar o ano com o pé direito. Em Portugal, já houve mais razões para pessimismo. Podemos dizer que 2015 preparou politicamente 2016. O fim do bipartidismo em sentido estrito chegou a Portugal e parece poder chegar também a Espanha. Pelo menos é verdade que os eleitores deram indicações nesse sentido. A clara assunção de que a austeridade é um colossal erro e de que é preciso não apenas mudar as caras mas também as políticas vai fazendo o seu caminho. Por outras palavras, não apenas alternância mas também alternativa. Um outro caminho sim, com realismo e com a força recuperada das nossas esperanças. Porque as pessoas para serem fortes precisam de poder ver mais horizonte do que a opressora certeza da incerteza e a angústia dos dois pesos e duas medidas que foram os últimos 4 anos. Porque as sociedades precisam da esperança das pessoas para avançarem com sentido.
Mas falta a Europa, que oscila e treme sobre os seus próprios pés. Divide-se e faz fronteiras sobre as que já existiram, mas além das velhas também outras, cada vez mais dentro das suas sociedades. Sem a esperança, vence o ressentimento, o rancor e a raiva. Uma Europa que cada vez percebe menos que a luta é por salvar aquela e não por dar vazão a estes. Perceberam-no os corajosos gregos, com erros e ingenuidades pelo meio, mas sem entregarem nunca a alma. Assim o percebem os europeus que recebem os refugiados e veem ser jogado no destino destes o destino da própria ideia de Europa. Assim o percebem os que não cedem à tentação da islamofobização e compreendem quão familiares e europeias, ainda que inaceitáveis, são as razões da radicalização dos terroristas que nasceram e cresceram nos subúrbios pobres de Paris, Londres, Madrid, Lisboa. Assim o percebem os que não cedem à tentação da radicalização. Porque pensar com radicalidade nunca foi um exercício de violência e exclusão do outro, mas de autotransformação e emancipação do próprio. Mas não o percebem o nacionalismo e o integrismo, que se disseminam pelo leste Europeu, não o percebem os partidos de extrema-direita que ganham expressão no coração da Europa, não o percebem os responsáveis por políticas de exclusão e segregação que se espalham e chegam a quase todas as paisagens europeias. É preciso parar para pensar de novo a consciência europeia. Ser europeu não era subverter as fronteiras e as identidades, não para as diluir, mas atravessá-las e beneficiar do seu convívio? Não era isso Schengen? Não era isso o Programa Erasmus, onde tantos nos educámos europeiamente nas últimas décadas?
E falta o mundo cada vez mais acelerado, mas que se crispa em identidades e diferenças férreas, que é o mesmo que dizer em razões e direitos para apartar uns tantos ou muitos, para deles fazer, em todo o caso, a causa culpada dos problemas próprios. É preciso parar, mas antes é preciso conquistar o direito de parar, que é também o direito de voltar a pôr perguntas. Parar para respirar, para esperar, para ter esperança. Falta tanto, mas vamos entrar com o pé direito, porque só assim resulta.
Por: André Barata