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Coisas

Natal: tempo de paz e concórdia. Tempo de tolerância e de esperança renovada na boa fé dos homens. Tempo de memória de um Homem que viveu há dois mil anos e que nos marca ainda hoje com o seu dedo, as suas palavras e as suas ideias.

Natal: tempo de compras e luzinhas nas casas. Tempo de crianças choramingonas espremendo a paciência e a carteira dos pais. Tempo de sacos, embrulhos, enfeites e árvores. E tempo de pouca memória do tal Homem de há dois mil anos.

Natal: tempo de visitas e campanhas dos políticos. De missas e promessas. De desejos de boas festas e feliz ano novo. De sorrisos hipócritas, telefonemas de circunstância, postais da Unicef e mensagens pré-fabricadas de telemóvel. O tal Homem não compreende.

Natal: tempo de saudade dos soldados que se batem em guerras absurdas. Tempo em que os bushs e os blairs mais justificam o negócio do Iraque. Tempo que o tal Homem de há dois mil anos não consegue compreender.

Natal: tempo em que os pedófilos não deixam de o ser. Em que as crianças violadas não deixam de o ser. Em que há quem continue a chorar baixinho com medo do momento em que a porta do quarto se abre. O Homem chora também.

Natal: tempo em que o negócio das abortadeiras não pára. Tempo de dor e sofrimento a 10 contos por raspagem. Tempo em que a ditadura da inquisição ainda reina. Tempo em que quem tem dinheiro vai a Londres fazer o desmancho e ainda vem a tempo do reveillon e de sair nas páginas da Caras.

Natal: tempo de “hospital velho”, com doentes velhos e profissionais cansados. Tempo de directores e directoras sorridentes, verborreicos, amadores e totalmente inconscientes da figurinha que andam a fazer. O Homem encolhe os ombros.

Natal: tempo dos doentes que teimam em não se curar. E das doenças que teimam e resistir à cura. Tempo de descrença nas palavras ocas. De desconfiança em quem nos comanda. Tempo de renovação nunca renovada.

Natal: fim de festa murcha num país que é o nosso, possuído de síndroma depressivo colectivo. Um tempo em que não há barroso que nos anime nem manuela que nos faça sorrir.

Natal: tempo de Jesus, que não tem culpa de nada disto.

Por: António Matos Godinho

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