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Coisas…

O Sr. Ministro da Saúde decidiu tornar públicas as contas dos hospitais SA relativas ao ano de 2003. Anunciou com pompa e circunstância que os resultados haviam sido brilhantes, bastante melhores dos que os dos outros, os enteados, dando razão a si próprio como autor da verdadeira revolução que pretende levar a cabo no sector da saúde em Portugal. A realidade, porém, parece não ser tão colorida como o ministro pretende fazer crer.

Nos dias que se seguiram ao anúncio das ditas contas, algumas pessoas um bocadinho mais atentas vieram a público apontar uma série de incongruências que iam desde a retirada de algumas das parcelas do lado do “deve”, transferindo verbas importantes para as ARSs, ao facto de os gastos com pessoal terem subido muito mais do que os dos hospitais públicos, indo até ao simples pormenor de que aquele amontoado de números nada nos diz relativamente à qualidade dos serviços prestados.

Para quem, como eu, anda lá dentro, é pouco menos que revoltante assistir a este tipo de manipulações por parte de quem mais não pretende do que destruir o serviço Nacional de Saúde, direito constitucional herdado do 25 de Abril (com toda a urticária que isto provoca nesta gente). Muito do que se vai sabendo da forma como funciona a tal gestão empresarial é chocante e faz-nos temer pelo rumo que as coisas podem tomar nos próximos anos. Não são apenas os profissionais a ter motivos de preocupação; são também e principalmente os doentes (os utentes ou clientes, como é costume dizer-se agora). Não tenhamos ilusões, esta coisa dos SA vai ter que dar lucro aos grupos económicos que lá vão meter o dinheiro e há muitas formas de converter perdas em ganhos. Não é por acaso que ouvimos barbaridades acerca do tipo de materiais utilizados, da sua reciclagem, da mão-de-obra mais barata, das manipulações com a duração dos internamentos, do tipo de doentes “simpáticos” em oposição aos indesejados, da “confusão” entre pequenas e grandes cirurgias, do tempo gasto em cada consulta, etc., etc., etc.. Tudo isto me repugna, não apenas pelo aspecto mercantil e materialista da coisa, mas sobretudo pelos indícios de má fé de um governo que faz da propaganda a sua arma mais forte.

A opção política de entregar o sector da saúde aos privados, destruindo o SNS, imitando tudo quanto o sistema de saúde americano tem de pior, seria legítima se assumida claramente no programa eleitoral. A votação do povo teria simplesmente legitimado essa opção. Não foi o caso. À semelhança das opções em termos de apoio aos Estados Unidos na guerra do Iraque, nada foi claramente assumido no programa eleitoral do PPD.

É uma fraude aquilo a que estamos a assistir e compreendo bem a azia que a última alegoria de Saramago anda a causar em muito boa gente.

Por: António Matos Godinho

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