1. Arrepio-me amiudadas vezes com pessoas que não conseguem amar a sua profissão de há dezenas de anos ou que têm dela a pior das imagens, sempre a suspirar pelo lar ou pelo quintal. Conseguir sobreviver no trabalho oito horas por dia a contar os minutos com ansiedade e sem convicção é quase tão deprimente como não ter profissão nenhuma. Ora hoje em dia as profissões só se apreciam se o gosto por elas se regar com o regador da descoberta e da experimentação. E creio que, tanto como a generosidade de sermos úteis, impende sobre nós a necessidade de encontrarmos um caminho nosso e de construirmos uma atividade colaborativa em sociedade. Sempre alimentando uma sensação de insatisfação que nos ajuda a procurar caminhos novos.
Vem isto a propósito da ideia de “desenvolvimento profissional” que agora está na onda e que substitui a ideia de formação contínua. Minudências de palavras, talvez. Mas a expressão desenvolvimento profissional vem alertar-nos para o caminho que há em cada um nós para percorrer, mesmo quando já parece que sabemos tudo. E, no calor da polémica sempre incandescente de qual será a melhor avaliação do desempenho em cada profissão, fica pelo menos a certeza de que não há apenas uma maneira de crescer. E que crescemos humanamente quando somos melhores profissionais. Surgem assim várias estratégias possíveis de aplicação no processo de crescimento profissional: focarei aqui o coaching e o uso dos portefólios, que não terão seguramente futuro fácil. Para a profissão docente, agradou-me recentemente ler “Portefólio do professor”, de Jacinta Moreira, e “Coaching para Docentes”, de Juan Fernando Bou Pérez. Mas para outras áreas não faltará literatura.
2. O coaching (palavra que conhecemos do nome inglês dado aos treinadores desportivos – coach) supõe no desempenho profissional a ideia de que as pessoas podem mudar e assumir a sua mudança e que é possível ter uma pessoa próxima a auxiliar a nossa progressão. Significa isto que não chega ter alguém à frente que debite bem umas ideias e que depois se vai embora sem verificar como é que a ideia passou. Cada vez nos apercebemos mais de que se não personalizarmos a forma como passamos uma mensagem continuada durante alguns meses a eficácia será curta. Acresce ainda que, para aprendermos ou ensinarmos melhor, temos também de nos conhecer melhor e ao grupo em que estamos inseridos. E de vermos ao mesmo tempo resultados e processo, no chão a fazer o trabalho e no ar a sobrevoar e analisar. Como no caso da “janela de Johari”, instrumento interessante da nossa autoanálise e do grupo: em cada um de nós há uma área livre, uma área oculta, uma área cega e uma área desconhecida, conforme aquilo que conhecemos ou desconhecemos de nós próprios e que damos ou não a conhecer aos outros. Quantas vezes acontece um professor chegar ao fim do ano e se quiser caracterizar uma pessoa só consegue fazê-lo por números! Ter alguém à frente para o ajudar e conhecê-lo e à maneira como ele lida com os outros e como se mostra / esconde aos outros é uma parte necessária do diagnóstico para a formação se fazer. É conhecer o estilo do outro, mais aberto a dar ou a receber, mais perguntador ou mais prestador de informação. E no mundo em que vivemos não há maneira de alguém melhorar as suas performances se as não quiser assumir, formulando a partir da ajuda do coach os objetivos que quer atingir com etapas marcadas no tempos e indicadores claros de medida. Ter um personal trainer, um coach, que aceitássemos e com quem fizéssemos uma espécie de contrato de colaboração, a ajudar-nos a progredir com proximidade e a conhecer o nosso estilo de aprendizagem, podia ser uma estratégia eficaz para a progressão na profissão. Talvez um pouco cara.
Outra metodologia, mais barata, aponta para o uso da escrita na formação. As atividades ao longo do ano poderiam ser seguidas em certos anos através de um portefólio em que o profissional desse o seu relato sistemático e regular das suas atividades, descrevendo processos, mostrando reflexões, juntando documentação e os olhares dos outros intervenientes (no ensino, os alunos, os colegas, etc.). A escrita seria assim ao mesmo tempo um exercício que ajudaria a refinar o pensamento e a conseguir uma melhoria da expressão das ideias mas também o repositório de um trajeto na profissão. Um avaliador teria assim à mão um conjunto de recursos que lhe permitiria caracterizar melhor o avaliado; este, no confronto entre a sua produção no portefólio e a as opiniões ou outras visões dos seus observadores, poderia também progredir. E mesmo que a escrita não fosse boa, o seu uso instrumental e adequado permitiria também avançar nesse campo.
3. A aliança dos dois métodos poderia ser aliás uma supermetodologia que, no entanto, embate hoje contra dois dos principais embaraços da avaliação portuguesa: a fraca cultura de avaliação que temos (convictos de que não poderemos ser melhores porque já somos muito bons ou de que nunca seremos bem avaliados), acrescida ao receio do confronto e da mudança; e a tendência repetida a considerarmos a escrita uma “burocracia” mesmo quando ela, usada como instrumento de aprendizagem, nos faz avançar e crescer.
E se lhe chamássemos treinador, aceitaríamos ter um Mourinho ou um Guardiola ao nosso serviço na nossa profissão, ao menos cada três ou quatro anos? E se lhe chamássemos um diário ou blogue éramos capazes de aceitar escrever regularmente à volta da prática profissional?
Por: Joaquim Igreja