Lição sobre a Água
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e alta temperatura,
move êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
È um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
António Gedeão
Lágrima de Preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
Tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
António Gedeão
No ano de 2006 assinalou-se o centenário do nascimento do Rómulo de Carvalho. Brilhante professor de Ciências Físico – Químicas, cientista e pedagogo, foi, contudo, na poesia, que Rómulo de Carvalho deu a conhecer a sua genialidade. Foi sob o pseudónimo de António Gedeão, que este cientista/ poeta enriqueceu de forma decisiva a literatura portuguesa do século XX.
Por: António Costa