Os cheiros são uma característica extraordinária. Fazem uma conceptualização do espaço que permite identificar e memorizar, permitem reconhecer. Em Medicina chegaram a fazer escola. Hoje o pudor impede as pessoas de se dirigirem de nariz em riste a um doente, mas, em boa verdade, levantado os lençóis reconheceríamos uma melena, ou uma urina hiperconcentrada, ou um vómito biliar. O Cheiro é uma arma das flores, e uma arma terrífica para muita gente. O cheiro dos pés pode destruir um casamento, o cheiro das axilas pode derrubar um namoro, o mesmo perfume em duas mulheres, com um homem comum, pode ser uma denúncia. O perfume é um livro terrorista que conta os devaneios de um louco e as mortes em série de uma obsessão. De facto, o cheiro de um carro novo é agradável e o cheiro de um livro aberto pela primeira vez reconhece-se bem. O “fedor” é a hipérbole do mau cheiro e vai coladinho às actividades do ânus, ao mau hálito e a todas as actividades por detrás das cidades – a lixeira, a ETAR, a decomposição da matéria orgânica em geral. O cheiro é uma função essencial aos prazeres do vinho e da comida. O que é interessante é que o tabaco queratiniza a língua e diminui o paladar, e retira a capacidade de sentir odores. Um fumador notará, pois, menos como lhe fedem os pés e lhe apodrece o ovo. Um fumador terá muito menor capacidade de saborear um tinto. Contraditoriamente, a maioria dos amadores que gostam do vinho também fumam. A vida é cheia destas pequenas dissonâncias e eu fascino de as coleccionar.
Por: Diogo Cabrita