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Carta aberta a Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos

Agora Digo Eu

Exma. Senhora Dª Maria Antónia:

Sei perfeitamente que o nosso país é um Estado unitário, onde os seus naturais gozam dos mesmos direitos, não ficando impedidos de exercer em pleno a sua cidadania.

Citando Torga, «para lá do Marão mandam todos. Todos e cada vez menos os seus naturais. E de nada serve interrogar o grande oceano megalítico porque o nume invisível ordena: Entra».

E mais uma vez a lista do PS/Guarda, candidata ao Parlamento da República, onde Vª Exª se integra como nº 2, fez entrar, com toda a conivência e conveniência, utilizando para tanto o estatuto «ter raízes cá», mais um, ficando adicionada ao quadro dos notáveis, verdadeiros saltadores (uns em queda livre, outros em barra extrativa) que ao longo dos tempos aqui se vieram servir e depois mais ninguém lhes pôs a vista em cima:

Miller Guerra, Luís Barbosa, Fernando Cardote, António Vitorino, Vasco Valdês, Francisco Assis, Miguel Frasquilho, Paulo Campos, António José Seguro, Manuel Meirinhos, Pina Moura, Arménio Matias, Veiga Simão e, isto sem esquecer alguns elementos colocados nos serviços descentralizados do Estado, com visível destaque para a ULS, sendo isto considerado um hino à nossa permissividade e fragilidade intelectual. Como diria o poeta, “Arre porra, é demais”.

Com alguma probabilidade Vª Exª poderá ser eleita deputada e representar o distrito da Guarda na Assembleia da República, mesmo percebendo que a lista do PS é muito deficitária, com erros políticos e lacunas conhecidas e contracena com a lista apresentada pela coligação de direita, essa sim, sem pés nem cabeça, não tem ponta por onde se lhe pegue, exceção feita ao serem “todos de cá”.

Assim, seria de todo importante que Vª Exª marcasse a diferença assumindo ser a exceção à regra e, sem esquecer as responsabilidades inerentes à função de deputada, agradeço-lhe que receba esta missiva como contributo para o conhecimento da nossa realidade.

O distrito da Guarda é um dos maiores do país. Mais de dois terços são Serra da Estrela. Nascem aqui os principais rios nacionais, constituindo-se assim a maior bacia hidrográfica. As serras de Malcata, Marofa e o ecossistema do rio Águeda, o parque de Foz Côa, as nossas praças-fortes, os nossos castelos, pelourinhos, calçadas e monumentos megalíticos: Almeida, Castelo Rodrigo, Trancoso, Sortelha, Alfaiates, Vila do Touro, Marialva, Vilar Maior, Castelo Mendo, Linhares, Jarmelo. A produção do vinho, do queijo de cabra e ovelha, o mel, o azeite, a amêndoa. O cão da serra, o boi jarmelista, a ovelha bordaleira, a neve e a sua linda balada, as amendoeiras em flor. O sector têxtil, o termalismo em Manteigas, Meda, Sabugal, Aguiar da Beira e Almeida. A principal entrada rodoviária e ferroviária na bonita vila de Vilar Formoso. As nossas tradições. O nosso Sanatório (a Guarda tem ainda hoje o cognome de “cidade da saúde”). O processo hospital, com culpas visíveis para aquele que é considerado o pai do défice e teve como recompensa ser o pior Presidente desta República centenária. Estamos curiosos para se ver o comportamento deste no período pós-eleitoral. Pelo andar da carruagem não se augura nada de bom, e o arrastar de toda uma vergonhosa situação por parte de laranjas e rosas, criando assim um folhetim, ainda, sem fim à vista. Gostaria imenso de a ver cheia de garra e energia para lutar pelo processo que se segue.

Somos um distrito exportador de saber e inteligência:

Afonso Costa, Botto Machado, Carolina Beatriz Ângelo, Carvalho Rodrigues, Avelino Cunhal, Virgílio Ferreira, Abel Manta, Eduardo Lourenço, José Alberto Reis, João Gomes, Dinis da Fonseca, Almeida Santos, Vilhena de Carvalho, Mário Canotilho, Carvalho dos Santos, José Pinto Peixoto, Avelãs Nunes, José Rabaça, Esperança Pina, Patricio Gouveia, Pinto Balsemão, Menano do Amaral, Odete Santos, Castro Guerra, Pinharanda Gomes, Monteiro da Fonseca, César Carvalho, João de Almeida, Vasco Borges, Santos Lucas, Adriano Vasco Rodrigues, Sacadura Cabral, provando assim com este último a todos os políticos, que dirigem partidos, que não precisamos, em definitivo, de paraquedas, paraquedistas, pois, felizmente, temos ases e audazes da aviação.

Caríssima Srª Dª Maria Antónia:

Perdemos nos últimos 50 anos mais de metade da população. Os incentivos ao investimento são o que se sabe, pese a boa vontade de todos os autarcas. Inúmeros serviços têm saído desta terra. A crise colocou de rastos o sector têxtil e agrícola. Houve encerramento de várias unidades industriais. O desemprego jovem é dos mais elevados do país, assim como a emigração, com culpas notórias para os políticos rosados e alaranjados, verdadeiros sustentáculos do sistema. O ensino politécnico vai precariamente aguentando-se. A descriminação positiva deste interior profundo foi sempre um chavão político para entreter beirão, agravado, naturalmente pelo pagamento de taxas nas duas estradas, apenas com perfil de autoestrada.

Ilustríssima Senhora Deputada Dª Maria Antónia:

É tudo isto que vai encontrar “por cá”.

Se for novamente eleita assuma o distrito por inteiro, pois vai carregar nos seus ombros a enorme responsabilidade de nos representar, esperando que coloque toda a sua já longa carreira parlamentar ao serviço deste nosso interior. Ficaremos atentos e manteremos a exigência, ao mesmo tempo que enquanto estiver entre nós terá sempre a compreensão e simpatia que prestamos a quem nos visita e connosco pretende colaborar. O espaço, que entretanto inaugurou, serve perfeitamente para verificar a veracidade da intenção.

Assim sendo, e porque a carta já vai extensa, aceite os respeitosos cumprimentos deste beirão que nasceu cá, e, teima, como tantos outros, continuar a viver “por cá”.

Por: Albino Bárbara

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