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Carnavais à Parte

Quebra-Cabeças

É inevitável, a campanha eleitoral vai mesmo ter de decorrer durante o Carnaval. A alternativa era adiar as eleições, prolongando assim a crise a pretexto de garantir a sisudez do Estado. O problema é que vivemos há demasiado tempo sem governo algum quando precisamos urgentemente de um muito bom, como o demonstram algumas das muitas dificuldades que se perfilam no horizonte.

Pouco a pouco, têm-se reunidos os ingredientes para um cenário de quase catástrofe no mercado do emprego. Em Janeiro, teremos as confecções e os têxteis chineses a aterrar em força na Europa, vencidas que estão as barreiras proteccionistas. Os salários de miséria praticados em Portugal nessa indústria, única razão aliás para que ela continue competitiva, vão começar a parecer demasiado altos. É verdade que a China é muito longe, mas os salários que aí se praticam permitem ultrapassar com facilidade as dificuldades de logística e de colocação dos produtos no mercado. Não passarão muitos meses antes que as grandes superfícies comerciais comecem a baixar preços (ou a aumentar lucros).

Entretanto, vão fechar cada vez mais empresas, aumentando exponencialmente o actual ritmo, já acelerado, de apresentações à insolvência. Vão ficar desempregados, em pouco tempo, dezenas (centenas) de milhares de trabalhadores que têm como qualificação profissional conhecimentos e treino a partir de agora totalmente inúteis. E que, na sua maioria, não sabem fazer mais nada. Que vão deixar de fazer descontos para a Segurança Social, e que irão sobreviver durante algum tempo do subsídio de desemprego – o que significa que irá chegar mais cedo a prevista ruptura financeira na Segurança Social,

Até aqui, as falências (agora diz-se “insolvências”) deixavam como prémio de consolação aos trabalhadores o direito à indemnização por despedimento, em consequência do privilégio creditório que lhes era concedido e lhes permitia receber antes dos outros credores. É que o património das empresas falidas não chega, por definição, para pagar a todos e é preciso estabelecer prioridades. Em geral os trabalhadores acabavam por receber tudo, fruto da sua prioridade, e levavam para casa, até para os ajudar a reorientar a sua vida, um pequeno capital – de resto uma fraca compensação para os muitos anos em que os seus baixos salários tinham ajudado a indústria a manter-se competitiva.

Isso acabou. O Tribunal Constitucional decidiu que os créditos dos trabalhadores não prevalecem sobre os créditos hipotecários, decidindo uma velha e polémica questão a favor da banca. Como boa parte do património das empresas têxteis é constituída pelas instalações, geralmente hipotecadas, adivinham-se as consequências. A precária almofada de protecção contra a miséria, representada pelas indemnizações por despedimento (e pelo recebimento dos salários em atraso), vai desaparecer em benefício da banca, comodamente sediada no offshore da Madeira, com lucros benevolamente taxados a 15 por cento.

Havia solução para isto, e essa solução passava por resolver por via legislativa a tragédia que a cegueira social dos tribunais acabou de criar. Mas para isso era preciso que houvesse mais governo, melhores governantes e menos carnavais.

Por: António Ferreira

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