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Câmara de Trancoso remete resultados de auditorias para o Ministério Público

Em causa estão «ilegalidades» na constituição da PPP, obras sem concursos e sobrefaturadas, bem como um passivo de 26 milhões de euros «que não constava nas demonstrações financeiras» da Câmara, anunciou executivo

A parceria público privada (PPP) constituída com empresas do grupo Manuel Rodrigues Gouveia em 2007 e as três obras que daí resultaram estão a ser investigadas pelo Ministério Público (MP), anunciou a Câmara de Trancoso. O relatório das auditorias mandadas realizar pelo atual executivo liderado pelo socialista Amílcar Salvador foi divulgado na passada sexta-feira após ter sido apresentado na última Assembleia Municipal.

Segundo o vereador João Paulo Matias, as conclusões apontam para «graves irregularidades» neste processo, que terá ainda resultado numa «gravíssima situação financeira» para o município. O conteúdo da auditoria já foi participado ao MP de Coimbra e da Guarda, no âmbito de investigações que estão em curso desde 2010 e 2014, respetivamente. A PACETEG – sociedade em que o grupo MRG detém 51 por cento do capital social – foi constituída com a empresa municipal Trancoso Eventos para a reabilitação do campo da feira (3,3 milhões), a construção da central de camionagem de Trancoso (2,6 milhões de euros) e do Centro Cultural Miguel Madeira (1,8 milhões), este em Vila Franca das Naves. Conforme O INTERIOR noticiou em junho deste ano (ver edição de 25/06), esta parceria público-privada surgiu após um concurso público internacional e previa a edificação de seis equipamentos, dos quais apenas aqueles três foram concluídos.

Na altura, conforme adiantou o vereador socialista, a sociedade contraiu um empréstimo de 9 milhões de euros junto da Caixa Geral de Depósitos. «De seguida, a empresa celebrou contratos de arrendamento desses equipamentos com o município em que a renda prevista corresponde exatamente àquilo que paga ao banco, ou seja, mais de 90 mil euros por mês», disse João Paulo Matias. Ora, esses contratos nunca foram submetidos a visto do Tribunal de Contas (TdC), o que era obrigatório de acordo com Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local. Na oposição, o PS sempre denunciou este acordo e, após vencer as autárquicas de 2013, mandou elaborar uma auditoria financeira às contas do município e da Trancoso Eventos (à data de 19 de outubro de 2013), bem como uma auditoria jurídica à constituição da PACETEG e outra técnica às obras do campo da feira, central de camionagem e Centro Cultural de Vila Franca das Naves.

Destas averiguações resultou a descoberta de alegadas «ilegalidades» na constituição da PPP e a existência de obras no valor de 4,5 milhões de euros «sem qualquer procedimento concursal». No caso das três obras foi ainda apurada uma estimativa de custos de menos 4,3 milhões de euros comparativamente com o valor faturado (8,9 milhões de euros), situação já reportada à Inspeção-Geral de Finanças, referiu João Paulo Matias na passada sexta-feira. A autarquia apurou também um passivo nas contas da Câmara, no valor de 26 milhões de euros, «que não constava nas demonstrações financeiras» aquando da tomada de posse do executivo de Amílcar Salvador. O edil considerou que estas auditorias, que custaram cerca de 35 mil euros, foram importantes «para saber a real situação financeira do município» e para ajudar o executivo a encontrar soluções para a «gravíssima situação financeira» em que se encontra.

«Podem fazer todas as queixas e queixinhas que estou de consciência tranquila»

Confrontado com estas acusações, o antigo presidente da Câmara de Trancoso considera a auditoria um documento «inócuo, cheio de imprecisões jurídicas e que se destina tão só a servir uma estratégia político-partidária, mas que custou aos cofres da autarquia mais de 30 mil euros».

Júlio Sarmento garante que o atual executivo pode fazer «todas as queixas e queixinhas que quiser que estou de consciência tranquila», lembrando que seis dos seus sete mandatos autárquicos foram «objeto de inspeções ordinárias por parte da tutela que nada de relevante assinalaram». O histórico dirigente e autarca social-democrata recorda também que a PPP em causa foi desenvolvida pela empresa municipal, a pedido da Câmara, mas «com observância de todo o formalismo legal». O agora deputado municipal sublinha, por isso, que o executivo a que presidiu «não promoveu, nem adjudicou ou participou na PPP» e afirma desconhecer «qualquer iniciativa do Ministério Público». Júlio Sarmento refere ainda que os custos da PPP rondam «os 500 mil euros anuais», mas recorda que a Câmara herdou também um conjunto de parques eólicos que, «num ano de cruzeiro, como acontecerá a partir de 2016, podem gerar um montante financeiro equivalente» a esse custo. «Porque é que a Câmara Municipal não fala disso?», interroga.

De resto, o antecessor de Amílcar Salvador lembra que nos seus mandatos «eram pagas as rendas, o empréstimo e cumpridas as obrigações fiscais», o que já não acontece com o atual executivo pelo que «é muito natural que o município possa vir a ser demandado pelo incumprimento que tem gerado». Júlio Sarmento denuncia ainda que esta auditoria interna, «encomendada a um conhecido socialista [Ricardo Bexiga]», serve para a maioria PS eleita em setembro de 2013 «passar as culpas próprias» quando está «no meio do mandato, castigada pela opinião pública, que compara os tempos, pressionada porque já só faltam dois anos para executar o que estaria previsto para quatro, e sobressaltada pelo resultado das últimas legislativas em Trancoso, que muitos entendem ter sido um cartão amarelo».

Luis Martins «Estas auditorias foram importantes para ajudar o executivo a encontrar soluções para a gravíssima situação financeira da Câmara», afirma presidente Amílcar Salvador

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