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Cães e(a) votos

Esporadicamente…

Como é que sabe tudo isto? – exclamou ele. – O senhor é um demónio?

– Sou um homem – respondeu o padre Brown gravemente – E, por conseguinte, tenho todos os demónios no meu coração.”

G.K. Chesterton em “A Inocência do Padre Brown”

Tenho em casa vários livros começados que não consigo ler até ao fim, a saber: “A Sétima Cruz” de Anna Seghers;, “Se isto é um Homem” de Primo Levi, “A Casa dos Encontros” de Martin Amis e “As Benevolentes” de Jonathan Littell. Comprei agora mais dois: “Sem Destino” de Imre Kertész e “Sou o Último Judeu” de Chil Rajchman. Não sei para quê, visto ser mais que certo que algures, ao longo da leitura, me vai faltar a coragem e vou abandoná-los, como fiz aos outros todos, pobres coitados.

Têm em comum o facto de descreverem, com pormenores suficientemente cruentos para nos darem várias vezes volta ao estômago, o que se passou nos campos de concentração, nazis ou outros.

Vem isto a propósito do artigo da Luísa Campos sobre o que acontece no canil da Guarda. Também não consegui lê-lo até ao fim.

Tem em comum com os meus livros adiados o facto de descrever actos de violência perpetrados repetida e diariamente por seres humanos contra outros seres vivos, impunemente.

Por estupidez? Por preguiça? Por maldade, pura e dura?

Obedecendo a ordens no contexto de um plano de extermínio? Nesse caso, permito-me sugerir métodos mais rápidos e menos dolorosos para as vítimas.

Por sua iniciativa, sem o conhecimento dos superiores hierárquicos? Neste caso, passaram a tê-lo.

Seria talvez conveniente que tomassem uma atitude.

Infelizmente, as pessoas não são, de um modo geral, férteis em atitudes.

Os escândalos repetem-se, mas a vontade popular expressa livremente nas urnas quis mais do mesmo.

Continuemos, pois, em frente, até à vitória final.

Concordo que as alternativas não eram brilhantes.

A compra de votos pelo principal partido da oposição mostrou, a quem já se tivesse esquecido dos compadrios laranja, que a moral da coisa pública se iria manter dentro dos estreitos limites do toma lá, dá cá.

Votar mais à esquerda ou mais à direita pode ser apelativamente romântico ou radical, mas traz consigo o risco de um dia não se poderem escrever artigos como estes. A contestar, a denunciar, a dizer mal.

Mas, poça, ainda há o voto em branco.

Enquanto neste país não surgir uma elite de gente competente e honesta que consiga gerir a maldita democracia de forma verdadeiramente social, a exemplo de alguns países do Norte da Europa…

Sei também que a engenheira zootécnica despedida, ou melhor, não reconduzida, (por) que (?) se opunha aos descritos e outros, indescritíveis, actos de crueldade, dos quais não há, infelizmente, testemunhas, está a ser publicamente caluniada, pelos perpetradores dos referidos actos, como sendo responsável pelo envio de animais para as lutas de cães que ocorrerão no Norte do país. Ainda por cima…

Mais uma vez, nada de novo no nosso Reino que, infelizmente, não é o da Dinamarca.

Talvez seja o sol que nos corrompe. Pena que não chegue para secar os cães.

Por: Maria Massena

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