A revogação da portaria que impedia a caça na Reserva Natural da Serra da Malcata, no concelho de Penamacor, está a ser contestada pela Quercus e pelo PAN – partido das Pessoas, Animais e Natureza, que acusam o Governo de ceder ao «lóbi da caça».
Proibida desde 1993, a atividade cinegética vai ser permitida com o Ministério do Ambiente a justificar a medida com «a importância desta atividade enquanto instrumento de promoção da articulação e a integração dos objetivos de conservação e de utilização sustentável dos recursos naturais». A decisão foi publicada no “Diário da República” na semana passada, mas a Quercus alerta que pode colocar em causa a reintrodução do lince ibérico na região e de outras espécies ameaçadas de extinção como o lobo ou o abutre-preto. «Esta opção carece de qualquer fundamentação científica, não se conhecendo até à data nenhum estudo sobre as populações de espécies que possam vir a ser exploradas cinegeticamente, e sobrepõe os interesses da caça aos da conservação da biodiversidade», denuncia a associação ambientalista, que recorda que o abate a tiro é uma das principais causas de morte não natural do lince ibérico e do lobo-ibérico.
Anunciando que vai pedir esclarecimentos ao Ministério do Ambiente e tomar «todas as medidas ao seu alcance» para que a Reserva Natural da Serra da Malcata, que abrange os concelhos de Penamacor e Sabugal, continue sem caça, a associação ambientalista lembra que a proibição visava garantir «a salvaguarda do património natural presente». A proteção do lince ibérico, que na altura estava em elevado risco de extinção e hoje possui um plano com vista à sua reintrodução em Portugal, era um dos objetivos. «Esta opção representa um aumento do risco para o Plano Nacional de Reintrodução do Lince Ibérico, através do qual estão a ser investidos de milhões de euros, e que prevê que venham a ser libertados linces nesta área protegida», refere a Quercus, acrescentando que a Malcata enfrenta «graves problemas de caça furtiva» e tem «graves lacunas de funcionamento devido a falta de recursos humanos e financeiros, o que se reflete nas ações de vigilância e fiscalização realizadas».
Por sua vez, o PAN também já contestou a decisão e pediu a audição «urgente» do ministro João Matos Fernandes no Parlamento, considerando que se trata de um «retrocesso civilizacional que carece de fundamentação científica e política». Para o partido do deputado André Silva, a caça já é permitida na maior parte do território português, pelo que não é necessário criar-se mais áreas de caça, considerada pelo PAN como «uma das atividades que mais perturba a vida selvagem». Nesse sentido, o partido vai aproveitar este caso para organizar uma audição pública sobre o regime cinegético já no próximo dia 25 na Assembleia da República. A Reserva Natural da Serra da Malcata tem como símbolo o lince-ibérico e estende-se ao longo de 16.348 hectares dos concelhos do Sabugal e de Penamacor.
Câmara de Penamacor concorda com medida
O presidente da Câmara de Penamacor considera «favorável para o concelho» a revogação da portaria que interditava a caça na zona sul da Reserva Natural da Serra da Malcata e atribuiu as críticas ao «desconhecimento».
Em declarações à agência Lusa, António Luís Beites adiantou que além da revogação da portaria foi simultaneamente criada uma zona de caça na mesma área, que será gerida pelo município. É um processo que foi promovido pela Câmara, em colaboração com o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, e naturalmente consideramos que esta é uma boa notícia e uma decisão favorável para o nosso concelho, porque pode potenciar o turismo cinegético e gerar fluxo económico», afirmou. O autarca acrescentou que esta medida está acompanhada de «um plano cinegético que pretende promover uma gestão de caça rigorosa e diferenciada, que visa a caça grossa e que tem como base, exatamente, a preservação da biodiversidade. E isto é possível e faz sentido. Só não faz sentido para quem não conhece a realidade da gestão cinegética», declarou António Luís Beites.
Entretanto, também Os Verdes já vieram criticar a revogação da interdição da caça nesta reserva natural, medida que classificam de «erro». «Esta decisão poderá agravar ainda mais os problemas que têm afetado a conservação da natureza no nosso país», afirma o partido ecologista em comunicado. Os Verdes destacam que a Reserva Natural da Serra da Malcata é «habitat para muitas espécies emblemáticas da fauna selvagem portuguesa, como o lince-ibérico, o abutre-negro, a cegonha-negra ou o bufo-real», recordando que o lince-ibérico é uma «espécie prioritária de conservação e está classificada como criticamente em perigo».
Luis Martins