Desde a chegada de Manuela Ferreira Leite ao Ministério das Finanças que o défice do Estado passou a fazer parte do quotidiano dos portugueses. O défice tem sido a justificação para a redução do investimento público, para o congelamento das admissões na Função Pública e para os insignificantes aumentos dos vencimentos. Apesar de todos os sacrifícios, passados dois anos está tudo na mesma, como a lesma. Segundo os especialistas em Finanças Públicas, o problema do país está perfeitamente identificado e era possível equilibrar as contas do Estado com um combate eficaz à fuga aos impostos. Aponta-se o dedo ao deficiente sistema de cobrança de impostos e à má formação cívica dos contribuintes, mas a verdade é que o actual sistema convida à fuga. Confirmei-o esta semana, depois de perder muitas horas e euros para arrendar uma casa legalmente.
Tudo começou no dia em que um jovem casal me telefonou para arrendar um apartamento, recorrendo aos apoios do Estado.
Como eu fazia questão em ter um contrato, e neste caso até era obrigatório, comecei por pagar dez por cento de uma renda mensal para registar o acordo nas Finanças.
Depois foi necessária uma licença de habitabilidade. Lá fui eu para um departamento da câmara municipal onde, passada hora e meia de espera, recebi a informação de que como a casa já tinha oito anos – velhíssima, portanto – necessitava uma vistoria e para isso seria necessário preencher um requerimento. Mas para que este documento desse entrada no departamento seria necessária a Certidão da Conservatória do Registo Predial actualizada. Mais uma deslocação até à zona sul da cidade, mais 35,75 euros e mais uma hora de espera. Com esta certidão já se podia meter o tal requerimento na Câmara, mas entretanto o atendimento ao público tinha encerrado. Voltei lá na manhã seguinte. Esperei mais uma hora e meia, paguei 35 euros para o requerimento e fiquei a saber que teria de pagar mais 53 euros para a inspecção.
Pensei que o processo estava terminado, mas não. O arrendamento jovem também obriga à apresentação de uma cópia da Caderneta Predial. Mais uma deslocação às Finanças, mais uma espera – apenas 15 minutos – e mais cerca de cinco euros.
E pronto, muitas horas e 128 euros depois está tudo legal. Está tudo pronto para que, em cada mês que passe, o Estado ainda arrecade mais uns 20 a 30 por cento da renda que vou receber.
Razão tinham os que olhavam para mim e se riam quando eu dizia que ia arrendar a casa com contrato. “Não sejas parvo, sem papéis é tudo para o bolso”, diziam eles.
Às tantas dei comigo a pensar que em vez do Governo gastar rios de dinheiro a lembrar aos portugueses que devem pedir factura/recibo, devia era desburocratizar o sistema. É que eu já não sei se as pessoas fogem aos impostos ou aos papéis que é necessário preencher para os pagar.
Ps. Bem, mas como tristezas não pagam dívidas, desejo um Bom Natal a todos os contribuintes, isto é, leitores.
Por: João Canavilhas