A Itália foi a votos e trouxe de novo Berlusconi. Pela terceira vez. Em boa verdade, quase poderíamos dizer que, em cinco eleições legislativas, Berlusconi ganhou quatro, tendo perdido as de 1996 porque falhou a aliança com Bossi. Em 2006, ganhou-as em território nacional (mais 400.000 votos do que a esquerda), mas perdeu-as com os votos dos italianos residentes no estrangeiro (menos 425.000 votos). O que se compreende, se considerarmos que o seu poder de fogo mediático não atinge tanto os italianos residentes no estrangeiro, mais influenciados por uma informação que lhe era desfavorável.
No centro-esquerda, o Partido Democrático, de Veltroni, garantiu a segunda posição com cerca de 4 pontos abaixo do Popolo della Libertà: 33,6%, em média (Câmara e Senado), contra 37,4%. Parece, pois, ter-se iniciado o processo de bipolarização do sistema partidário italiano, acabando de vez com o minipartidarismo. A Câmara e o Senado passam, a partir de agora, a ter um reduzido número de formações políticas: PdL, PD, Liga, UDC, «Italia dei Valori». Estamos, portanto, perante uma racionalização do sistema, induzida pela bipolarização e complementada pelo «sbarramento» dos 4% (CD) e dos 8% (S). Acontece, todavia, que se o PD está formado organicamente e em liderança, depois de um processo que culminou com primárias (mais de três milhões de votantes), o PdL acabou por se formar somente como partido eleitoral, sem um efectivo processo de fusão interna e de eleição do líder. O que, de resto será difícil, já que um dos partidos é um «partido pessoal», criado à medida do Berlusconi-empresário, muito diferente dos partidos tradicionais e muito dependente das estruturas e das elites empresariais do grupo de Berlusconi.
Posto isto, há que reflectir sobre esta permanente dinâmica de vitória de Berlusconi. Tanto mais que ele deixou, após 5 anos de governo (2001-2006), um país com graves problemas. Um só índice: segundo o «Institut for Management Development», de Genebra, neste período, o índice de competitividade caiu da 14.ª para a 53.ª posição. Por outro lado, Berlusconi legislou e agiu com muita intensidade em proveito próprio: com um «perdão fiscal» poupou cerca de 120 milhões de euros à sua «Mediaset»; fez sair a RAI das transmissões dos desafios de futebol, deixando livre «Mediaset»; aprovou uma lei sobre o património cultural italiano de modo a permitir a construção na costa sarda, sendo ele um dos principais beneficiários; despenalizou o crime de «falso in bilancio», que tinha forte incidência nos processos legais que corriam contra ele e seus colaboradores; introduziu fortes restrições nas cartas rogatórias internacionais, ajudando, assim, os seus colaboradores nos processos judiciais; legislou de modo a resolver os problemas das suas televisões. E mais, muito mais. Por exemplo, a alteração da legislação napoleónica sobre as sepulturas para poder ser sepultado no mausoléu que construiu na sua Villa de Arcore. Autênticos «interessi privati in atti di ufficio»!
Ora, com um governo assim, como se explica esta vitória? Claro, o governo de Prodi teve pouco tempo, tinha inúmeros problemas de gestão política interna e teve a gravíssima questão do lixo em Nápoles. Estava refém dos humores pessoais de pequenos líderes. Que acabaram por fazê-lo cair. Mesmo assim, os grandes índices macroeconómicos de Prodi são globalmente melhores do que os de Berlusconi: desemprego (6,4% contra 8,3%), dívida pública (104,5% contra 105,7%), défice (3% contra 3,4%) e crescimento do PIB (1.4% contra 1%).
Berlusconi, em 1994, conseguira, na sequência da desagregação integral do sistema de partidos italiano, ocupar o terreno político deixado livre pela extinta DC, federando a direita e garantindo a base política orgânica necessária para a construção de uma vitória eleitoral. Para isto, fundou um «partido de novo tipo», pessoal, meio electivo (no plano sub-regional) e meio profissional (no plano supra-regional), dotado de uma forte e estável liderança, carismática e omnipotente, de grandes recursos financeiros e técnico-profissionais e de poderosos meios de conquista do mercado eleitoral. Concebeu a política como continuação do audiovisual por outros meios e o cidadão como público. E, moldando a política mais à lógica da procura do que à lógica da oferta, inverteu aquela que era a lógica da política convencional, sobretudo a da esquerda. Ou seja, concebeu valores e programas políticos como simples projecções das expectativas do público, detectadas em sondagens, reduzindo o «interesse público» ao «interesse do público». Com isto, construiu um discurso adequado à «audiência» eleitoral, ao mercado simbólico dos produtos políticos, num processo semelhante ao da conquista das audiências televisivas. Com este património político fez uma caminhada de sucesso que já dura há 15 anos. Agora, com a conquista de Roma por Gianni Alemanno, é a apoteose final!
Por: João de Almeida Santos