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Benemérita pode ser revelada em 2006

Apesar da chuva, cumpriu-se o “Magusto da Velha” em Aldeia Viçosa

Estará prestes a ser desvendado o mistério da “velha” benemérita que é anualmente recordada, com castanhas e vinho, em Aldeia Viçosa no dia a seguir ao Natal. Assim espera o presidente da Junta local, que promete revelar o nome e a biografia desta personalidade abastada do Vale do Mondego no próximo dia 26 de Dezembro. «Estou convencido que em 2006 haja uma festa diferente, porque vamos revelar o nome da benemérita que nos deixou esta herança», espera Baltazar Lopes.

Tudo indica que as pesquisas na Torre do Tombo foram bem sucedidas e vai ser possível reconstituir a vida da senhora. «Já temos algumas pistas, mas vamos guardar o segredo a sete chaves até para o ano», promete. Actualmente, a freguesia do concelho da Guarda tem direito a uma renda perpétua de 12 cêntimos por trimestre deixada por aquela senhora através de um testamento. O montante é pago pelo Instituto do Crédito Público, que já quis comprar este rendimento há meia dúzia de anos oferecendo a módica quantia de 600 contos. Contudo, o povo de Aldeia Viçosa recusou a proposta por uma questão de honra: «Os 600 contos gastam-se, mas a renda é uma coisa simbólica que queremos preservar», explica o autarca, admitindo que os 12 cêntimos «não dão para as castanhas, mas nós vamos continuar a manter a tradição por muitos mais anos». Desta vez, do céu não vieram só castanhas. A chuva também se intrometeu no “Magusto da Velha”, mas não arrumou uma tradição que se cumpre, religiosamente, há 307 anos. Na passada segunda-feira, miúdos e graúdos empenharam-se nesta obrigação deixada para a posteridade no testamento de uma senhora abastada do Vale do Mondego. «A tradição é para se cumprir, haja chuva ou neve», adianta o presidente da Junta de Freguesia, à qual compete actualmente oferecer 150 quilos de castanhas e 100 litros de vinho à população.

O ritual consiste em atirar mãos-cheias de castanhas do alto do campanário para o adro da igreja, onde os habitantes se acotovelam para ver quem apanha mais e depois assá-las no madeiro de Natal que ainda arde ali ao lado. Pronta está também uma barrica de vinho para ajudar as bocas mais secas. E há muitas, sobretudo por causa das “cavaladas”, que mais não é do que saltar para as costas de quem se põe a jeito ao baixar-se para apanhar castanhas. É uma brincadeira pouco católica praticada pelos homens e que faz rir as mulheres. Contudo, os praticantes já escasseiam. Outro momento alto acontece quando o maior sino da torre dá uma volta completa. Um feito que tem que ser repetido 26 vezes, por causa do dia em que se realiza o “Magusto da Velha”. No entanto, esta não é a data original, já que a “esmola” que a “velha” ordenou que fosse dada devia concretizar-se na «primeira oitava de Natal» (dia 1 de Janeiro). Contudo, assim é no dia a seguir ao Natal desde que uma misteriosa benemérita doou aquelas iguarias aos habitantes de Vila do Porco, como então se chamava a localidade. Em contrapartida, exigiu apenas que se rezasse todos os anos um Pai Nosso em sua memória. Esta parte do testamento pode já não ser cumprida com rigor, mas o resto pratica-se com afinco desde, pelo menos, o ano de 1698. Trata-se da data da primeira alusão ao “Magusto da Velha” e consta do “Livro de Usos e Costumes da Igreja do Lugar de Porco”, escrito pelo padre António Soares Albergaria Meireles.

Luis Martins

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