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Belmonte, por Exemplo

Passei parte do último fim-de-semana em Belmonte, primeiro a pretexto de um jantar de finalistas da escola em que a minha mulher é professora, no sábado, e depois para dar uma volta pela vila, no domingo, seguindo as pistas que me tinham sido dadas na véspera.

O jantar foi no Alquitarra, mesmo ao lado do castelo, onde couberam os finalistas, alguns professores, o presidente da Câmara e este vosso criado. O jantar foi óptimo, com um lombo recheado com ameixas de se lhe tirar o chapéu. Os finalistas, esplêndidos, de vestido de noite e fato-e-gravata. Ao vê-los de pé, ao lado uns dos outros, tive a prova provada de que os portugueses cresceram, e muito, em tamanho. Com o meu metro e setenta e sete era dos mais altos no meu tempo de finalista do secundário; ao lado destes, e destas, sou mais para o baixote. São é muito poucos, apenas 14 numa escola de algo mais de quinhentos alunos, e evidenciam uma clara desproporção entre os géneros: quatro rapazes para dez raparigas. Desconfio que é a mesma desproporção que vão encontrar na universidade.

Nos discursos, tanto do presidente da Escola, como do presidente da Câmara, este um pouco mais optimista, os mesmos votos de boa sorte e o mesmo desejo: que regressem quando acabarem a universidade. Tudo dependerá para onde, que as empresas não abundam e o Estado não pode garantir o emprego de todos. Não é por falta de condições – há infra-estruturas, acessibilidades, equipamentos. As redes de saneamento básico, água canalizada, electricidade e telefone, cobrem praticamente toda a população do concelho. Faltam é investidores privados.

No domingo voltei a Belmonte e ao Alquitarra, a provar o menu de degustação de pratos serranos (enchidos, feijocas, cabrito, cabidela e bacalhau). No passeio pela vila confirmo o que tinha adivinhado na véspera. Os monumentos estão recuperados, tal como boa parte do centro histórico. Nota-se trabalho e investimento. Vão longe os tempos, salazarentos, do abandono e do desleixo. A capela dos Cabrais e o castelo têm funcionários informados, dispõem de informação impressa e de postos de venda. O mesmo no notável Museu Judaico, merecedor, só por si, de uma deslocação. Só em 2006, tinha-me dito o presidente da Câmara, venderam-se aí mais de quarenta mil ingressos. A este ritmo, prevê-se o equilíbrio entre receitas e encargos dentro de uns meros dois anos.

Nota final: em todos os monumentos, no restaurante, no museu, nas ruas, circulavam turistas. Aqui e além vi lojas abertas, apesar de ser domingo. Pode bem acontecer que Belmonte encontre o seu cluster no turismo de qualidade, agora que o têxtil está nos últimos estertores.

Sugestões:

Um desejo: que a Delphi consiga renovar os contratos com a Renault e o grupo PSA, com termo previsto para 2007, e de que dependem centenas de postos de trabalho na Guarda;

Outro: que a Guarda consiga transformar o seu centro histórico em alguma coisa que mereça a pena visitar.

Um livro: A China Abala o Mundo (James Kynge, Bizâncio, 2006). Logo no primeiro capítulo a inacreditável história da venda da siderurgia ThyssenKrupp, de Dortmund, uma das maiores do Mundo, aos Chineses, a preço de sucata (24 milhões de dólares). Desmantelada peça por peça, parafuso por parafuso, renasceu na foz do rio Yangtze. Para trás ficaram uns milhares de desempregados, possivelmente saudosos do combate travado nos anos noventa pela semana de 35 horas. Agora têm todo o tempo do mundo.

Por: António Ferreira

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