O décimo nono Audiofiili é diferente dos anteriores. Pela primeira vez, hoje fala-se de um álbum que é um marco no mundo pop de 2016 mas que ainda assim não é algo que valha a pena recordar daqui a um ano. Trata-se de Kanye West e do seu “The Life Of Pablo”.
Existem várias opiniões sobre o homem, que é um génio, um “poser”, uma farsa e um pouco de tudo. A minha opinião sobre Kanye West escreve-se com uma curva sinusoidal, dependendo da época em que estamos a falar de uma das pessoas mais reconhecidas no mundo do hip-hop internacional.
Depois de um certo atenuar da versatilidade, nem sempre boa, da sonoridade de Kanye West, hoje olho para este autoproclamado Deus como um génio da sonoridade e das trilhas do mundo do hip-hop moderno. Alguma desta genialidade também se deve à boa escolha de círculos de amigos produtores mas o elogio mantém-se presente.
“The Life Of Pablo” inicia-se então com “Ultralight Beam”, um apontamento mais R&B sobre bases de gospel e rap que é como uma antítese do que está para a frente mas que dá início ao mote de forma genial. Contudo, genial é uma palavra que não se voltará a repetir neste texto porque no geral, Mr. West tem o hábito de nos mostrar trilhas fantásticas mas que em cima apenas têm rimas vazias, demasiado infantis e de temáticas que ou são de falar para cima, trazendo a sua relação com Deus para o disco, ou de falar acerca de temáticas tão materialistas como as 4 referências a carros de luxo, as 11 referências a sexo fútil, as 3 referências a quantidades pornográficas de dinheiro e as 6 referências a roupa de luxo que não está ao alcance de toda a gente. Kanye é hoje considerado um exemplo no mundo do hip-hop, mas pouco ou nada tem de exemplo.
O álbum tem momentos em que se pode nutrir alguma vergonha alheia, como a referência a Taylor Swift em “I feel like me and Taylor might still have sex. Why? I made that bitch famous”.
Por vezes, sente-se a iminência de uma boa música como em “Low Lights”. “Highlights”, na qual se sente a influência basilar de “I Know There’s Gonna Be Good Times”, de Jamie XX, e “Young Thug”, este último em parceria nesta faixa que merece atenção por apontamentos líricos melhores do que a média do álbum.
“I Love Kanye” é uma tentativa frustrada de trazer humor para o álbum que passa completamente ao lado, humor é na realidade quando um verso sentencia “I ain’t scared to lose a fistfight” na faixa “Waves”, que conta com a participação de nada mais, nada menos que Chris Brown.
“Real Friends” é outro momento em que a consagração musical tanto sonora e lírica quase chega, mas o extremismo das situações extravasam o contexto, tendo o seu zénite em mais uma referência de compra de um MacBook que tinha sido roubado por um primo.
“Wolves” e “Fade” são “showcases” de auto-tune vazios que têm pelo meio interludes pretensiosamente artísticas das quais ninguém se irá lembrar no fim do disco.
Felizmente, nem tudo se perde graças a “No More Parties In LA”, em parceria com Kendrick Lamar, que ainda assim também é arrastado para mais uma temática que nada interessa ao ouvinte a não ser para recriar novelas californianas na cabeça. Contudo, esta faixa ainda leva a recomendação para casa.
No final de contas, “The Life Of Pablo” não merece o “hype” que tem. Aliás, uma das coisas que o bom hip-hop mostra disco após disco é a humildade do interlocutor. Kanye West tem pouca, ou nenhuma. E isso mostra-se nas suas autoproclamações de Deus ao longo do último par de discos. Por agora apenas sabemos que para ele próprio, a receita de um Kanye West é agarrar numa posta de Steve Jobs e regar com “Stone Cold” Steve Austin qb. É uma mania da grandeza que sendo, por vezes, cómica e por estar tão exposta ao vício público torna Kanye numa personalidade. Uma personalidade que cada vez mais se distancia da música em si.
João Gonçalves