Luís Filipe Scolari sentiu uma súbita urgência, no final de um jogo da Selecção Nacional, de ir às fuças a um sérvio. Todos vimos o gesto na televisão. Todos vimos o punho do seleccionador avançar em direcção ao sérvio e este a desviar-se com um ar surpreendido no preciso momento do contacto, de tal forma que ficámos na dúvida sobre se o murro teria acertado, ou acertado com eficácia. Se não fosse esse infeliz evento, o jogo iria ser notícia, embora porventura durante menos tempo, por outra razão. É que os sérvios tinham empatado o jogo in extremis e com um golo irregular. Basicamente, tinham-nos roubado dois pontos. É verdade que, bem vistas as coisas, não os merecíamos, tal como os não mereciam os sérvios, o que justificaria o empate. Depois do jogo, na conferência de imprensa, o árbitro passou incólume. Não admira, que os temas da conversa foram apenas dois: as fuças do sérvio e o “gesto irreflectido” do Scolari (ninguém o disse mas todos pensaram, começando por mim, que não foi tanto uma questão de irreflexão como de falta de pontaria). E foi assim que fomos roubados e ficámos ainda com a fama de ser os maus da fita por um murro que nem acertou, ou não acertou bem, no alvo. Lamentável, seja qual for o prisma, mas sobretudo por nos terem roubado o direito à justa indignação por aquele fora-de-jogo gigantesco.
Os acontecimentos anteriores ao jogo são igualmente reveladores em relação à mentalidade nacional e à forma como se faz jornalismo. Antes de cada um dos jogos anteriores (Arménia e Polónia), como antes deste último, os jornais desportivos eram unânimes sobre a absoluta necessidade de os ganhar, para garantir o acesso ao campeonato europeu do próximo ano. Era essencial fazer nove pontos nos três jogos. A parte engraçada da história é que, passados esses jogos e feitas as contas, concluíram-se duas coisas: apesar de só ter feito três pontos, em lugar de nove, Portugal depende apenas de si próprio para se apurar e o primeiro lugar no grupo é perfeitamente atingível. E não digam que isso aconteceu porque houve resultados anómalos nos outros jogos. Houve resultados menos esperados, mas nada de especial. Especial é esse vício, de absoluta intransigência em relação aos nossos e de absoluta tolerância em relação aos outros. É tolerável a batota dos sérvios e indesculpável o gesto de Scolari. Não alinho por aí. Penso que temos tanto direito à sorte como os outros e que, se formos roubados e provocados, terão de tolerar as consequências da nossa indignação.
Foi também curiosa a entrada de Mourinho na polémica. Depois de uma fase em que Scolari parecia perdoado, ou quase, acontece a saída de Mourinho do Chelsea e a possibilidade da sua candidatura a seleccionador nacional. De um dia para o outro, o murro no sérvio pareceu justificar a chicotada psicológica na selecção. Felizmente, Mourinho não se mostrou interessado e tivemos a direcção da Federação a reunir, e de emergência (!), para apoiar Scolari no seu recurso da decisão da Federação Internacional que o suspendeu pelos quatro jogos que faltam do apuramento para o Europeu.
É evidente agora que tudo isto foi uma comédia, que a nossa federação não soube gerir os acontecimentos e não foi capaz de ser consistente nas suas atitudes. Deixou levar a discussão para terrenos que não nos interessam e deixou esquecer o nosso grande agravo: aquele vergonhoso fora-de-jogo que nos roubou a vitória.
Por: António Ferreira