E se num universo feminino as personagens tocassem a nossa vida com serenidade, tal como os dedos de um piano? E se à medida que a melodia avançasse nos apercebêssemos que o coração palpita a uma velocidade diferente? “Mulherzinhas”, de Louisa May Alcott, é esse lugar tranquilo, acolhedor, em que aprendemos a rebolar pela relva com as delícias de uma meninice esdrúxula.
As quatro irmãs, que são conduzidas pela educação da senhora March, multiplicam-se em diferenças: Meg (Margaret), de 16 anos, tem um aspecto fresco e pacífico, aprecia os momentos em que fica entretida em casa, e observa as suas mãos com orgulho e vaidade; Jo (Josephine), de 15 anos, é alta, magra e morena, consome boa literatura, não gosta de aceitar conselhos e contraria as normas sociais que lhe são impostas; Beth (Elizabeth), de 14 anos, demora mais tempo a confiar e vive num mundo só dela, onde o piano assume a máxima importância; Amy, de 13 anos, com um ar angelical, gosta de empregar palavras caras, abomina raparigas mal comportadas, e esforça-se por ser refinada.
O momento em que as conhecemos não é o melhor, pois o pai acabou de partir para a guerra e o único amparo que as quatro meninas sentem é o rosto da senhora March, que tudo faz para que elas cresçam com humildade e grandura. Pobres nas suas economias, são sujeitas a grandes sacrifícios; e sem a presença masculina nas suas vidas, vão encontrando colo nas brincadeiras do seu mais recente amigo Laurie. O mundo da família March está longe de ser perfeito, e é exactamente por isso que nos deixa libertos daquela ideia que só se pode ser feliz numa redoma de vidro: Meg gosta do luxo e do dinheiro e luta contra essa fraqueza; Jo cresce impaciente e está ainda a controlar a sua língua afiada; Beth destaca-se pela sua timidez e só no seu jeito lento e meigo é que aprende a confiar; May desenvolve vaidades e gosto pelas artes, mas a seu tempo compreenderá que alguns bens não são alcançáveis nem pela mais abundante capacidade monetária.
Não li este livro em pequena, e tenho pena por isso, mas sente-se, por vezes, em idades maiores, aquela tentação de regressar às histórias de cor, cheias de travessuras e amor. Existe igualmente a vontade de recordar os sonhos que se tecem a metade com a criança que um dia também nós fôramos. Existe depois a urgência de fazer cumprir esses sonhos e unimos todos os esforços possíveis e impossíveis para que a criança que em nós ainda habita não fique desapontada connosco. Mas desengane-se quem, com esta descrição, fique a pensar que “Mulherzinhas” é um livro exclusivamente para gente miúda, pois é antes de tudo um livro para todos os sensíveis, simples e sábios, ou para aqueles que ainda estão a aprender a mergulhar num heliotrópio.
Melanie Alves
*A autora escreve de acordo com a antiga ortografia
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