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As horas dos dias

Observatório de Ornitorrincos

Odeio que me digam que o dia tem 24 horas. Eu sei que o dia tem 24 horas. Desde que nasci que o dia, seja ele qual for, tem 24 horas. Mesmo ao fim-de-semana, quando o tempo é mais ronceiro, o dia tem as mesmas impertinentes e repetitivas 24 horas. E mesmo assim, não me bastam. Melhor dito, não é bem não bastar. Na realidade eu perco algumas horas. Todos os dias, deixo escapar várias horas sem dar conta delas. Sem as cumprimentar com um vigoroso “bom dia” e chegá-las para o meu regaço. Por isso detesto que me relembrem que o dia tem 24 horas. Pode ser verdade, mas cada um dos meus chega ao fim sempre com algumas subtraídas. A culpa é obviamente minha. As horas fogem sempre que podem e estão no seu direito. Eu devia ser diligente e não permitir que se tresmalhassem. Se eu tivesse um blogue daqueles que relatam as acções do autor durante o dia chamar-se-ia com certeza “As Horas Tresmalhadas”.

Já não conto sequer as horas de sono tardio e tantas vezes decepado por insónias. Nem as manhãs perdidas no meio do cansaço produzido do narrado na oração anterior. Falo só das horas errantes depois do meio-dia. Até à alta madrugada do dia seguinte (ou o alvor matinal, neste meses de Junho e Julho) há ali muitas e muitas horas de cérebro desperto para aproveitar. Mesmo dormindo oito horas – característica que, entre outras, transporto desde a adolescência – sobrar-me-iam dezasseis. Sobram? Não. Descobri há pouco tempo que gasto cerca de 15% do meu tempo a pensar como aproveitar bem as 24 horas do meu dia. São quase duas horas e meia. Do que eu precisava era de um bom gestor de horários. Bem sei que algumas horas estão necessariamente guardadas para actividades indispensáveis, como lavar-me, comer, falar ao telemóvel ou navegar na internet. Outras há programadas prévia e externamente e assim impedidas de se extraviarem pelo caminho. São as usadas para preparar e dar aulas, atender alunos e avaliar os seus conhecimentos, também conhecidas como “horário laboral”.

E depois há as sobrepujantes. As remanescentes. São essas que vão fugindo da minha vista ao longo de cada dia. Nunca termino um dia com as 24 horas completas. Pelo caminho, voltei a perder mais algumas. Por cada hora perdida há um filme que não vi, um livro ou uma revista que não li, amigos que não encontrei. Ao fim da semana tenho um défice de horas comparável ao do Orçamento Geral do Estado em euros.

A solução, dizem-me, é organizar melhor o tempo. Eu agradeço a simpatia e o conselho. Mas o meu problema com o tempo não é falta de organização. As horas, por definição, estão todas organizadinhas. Umas a seguir a outras, numeradas e tudo. As 15 a seguir às 14, as 16 depois daquela, continuando com as 17 e assim até às 24 ou 0, quando tudo começa a contar do princípio. Basta saber contar. Eu não preciso de organizar o tempo. Preciso é de não andar por aí a perdê-lo aos bocadinhos.

EU VI ONZE ORNITORRINCOS

Selecção nacional masculina de futebol

São animais de algum porte, com pernas tortas e pelugem tratada com espumas apropriadas. Foi encontrado um bando no passado sábado, na cidade do Porto. Demonstraram ser animais de captura fácil para caçadores gregos – e quando o leitor já tiver este exemplar na mão já saberá se os snipers russos obtiveram semelhante êxito na sua caçada. Lentos e previsíveis, estes ornitorrincos tornam-se presa fácil para equipas organizadas de matadores profissionais. Como em muitas outras espécies, a sua sobrevivência depende tanto da capacidade de agir colectivamente como da existência de um líder forte e perspicaz.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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